Cultura e marca sem máscaras
Aos defensores do velho reino e suas práticas obsoletas, resta render-se ao movimento irreversível da história ou encomendar seu próprio velório
Aos defensores do velho reino e suas práticas obsoletas, resta render-se ao movimento irreversível da história ou encomendar seu próprio velório
23 de setembro de 2020 - 11h26
O velho marketing está se aposentando, preparando seu adeus à era da ilusão, palavra latina ligada à ironia e ao deboche. No frenesi do consumismo, a ilusão ocupou o trono de rainha. Comandou falsos desejos, criou falsas necessidades, debochou da ansiedade que tudo isso é capaz de gerar.
Nesse reino de miragens — que hoje vive o final de sua era —, os súditos trabalham loucamente para agradar a rainha. Tomam fórmulas superácidas pensando estar bebendo felicidade. Engolem gororobas lotadas de químicas e chamam de alimento. Medem-se uns aos outros por metro quadrado, localização da metragem e preço das traquitanas que enfeitam seus corpos, espaços e as tantas inutilidades adquiridas, literalmente, com seu suor e sangue. Nas empresas desse reino, cultura e marca não se comunicam.
A cultura fica escondida atrás dos altos muros (ilusórios) da empresa, encoberta de palavras belas nos books e paredes, e pulsando em outra frequência, onde luzes e sombras se entrelaçam com tamanha intensidade, que o declarado não sobrevive na prática. O modelo mental que atravessou gerações decretou que tudo deve girar exclusivamente em torno do dinheiro, qualquer que seja a consequência. As metas financeiras são alucinantes e o clima é tenso, dominado pela ganância. O sofrimento intramuros é forte e mudo, fazendo do burnout uma epidemia entre executivos e colaboradores.
Já a marca é só alegria! Quer traduzir o que é a empresa, mas vive completamente separada da sua cultura, como se fosse possível parir uma criança gerada fora do útero. É assim a vida no Reino da Ilusão. Criada e nutrida por ilusionistas, a marca é também máscara: transmite as maravilhas, valores e o alto astral que a empresa não pratica e induz a desejos que a massa de súditos, de forma geral, jamais sentiria espontaneamente.
A rainha ilusão é insaciável, mas, por pensar tanto em si, vive distraída, desconectada. Não percebe que, pelos portões de seu reino evadem, neste exato momento, centenas de milhões de súditos e filhos de súditos, todos de mudança para outro reino, que não para de crescer: o Reino da Sinceridade. Ali, não há muros nem portões. O dentro e o fora são uma coisa só, um mesmo flow, como dizem os novos habitantes. A sinceridade não ocupa trono nenhum: habita, sem cerimônia, os corações e mentes de todos. No Reino da Sinceridade existe um número crescente de empresas. Muitas nasceram lá e outras vão chegando, desertoras do Reino da Ilusão. Suas instalações são transparentes, como tudo nesse novo reino. Ali, cultura e marca são um continuum: a marca expressa para o mundo dos clientes o que a cultura representa internamente. A palavra de ordem é autenticidade. O elo cultura-marca é sincero, indissolúvel. E, como não há muros, todos são ouvidos e participam da criação de tudo: empresas e suas culturas, produtos, serviços e marcas. Enquanto no Reino da Ilusão a palavra marca veio do velho hábito de marcar o gado com ferro em brasa (burnt/brand), no Reino da Sinceridade marca é aquilo que quer prosperar com legado positivo para a História. Lá, isso é tão sério que a população local, que inclui a geração pós-consumo, não tem qualquer interesse nas marcas do velho modelo. Não é gado para ser marcada.
O que essa geração exige é que empresas e marcas deixem de destruir a vida e o planeta e passem a pavimentar sua trajetória através de processos regeneradores. Ou seja, que realizem em escala o que os seres humanos querem realizar como indivíduos. As empresas que abraçam esse caminho regenerador por convicção, com sinceridade — e não apenas para atrair clientes através de ferramentas do marketing de engajamento —, ganham não mais consumidores (termo em desuso no Reino da Sinceridade), mas amigos de verdade.
Consumidores cabem naquele velho reino, o do consumismo. No novo reino, marca não é isca, é ponte bem construída entre pessoas conscientes e a cultura da empresa. O novo reino prevalecerá nestes tempos de rápidas mutações. Com ele, nasce a Era da Sinceridade. Quanto aos defensores do velho reino e suas práticas obsoletas, resta render-se ao movimento irreversível da história ou encomendar seu próprio velório.
*Crédito da foto no topo: Eugenesergeev/iStock
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