Diversidade é Democracia
Comunicação cria cultura e quem não quer criar o ritual da inovação acaba sendo levado pela maré democrática
Comunicação cria cultura e quem não quer criar o ritual da inovação acaba sendo levado pela maré democrática
No universo do marketing, alguns dos desafios que vivenciamos nos últimos tempos englobam mudanças de comportamento de consumidores, cada vez mais atentos aos impactos de suas escolhas de consumo na sociedade e no meio ambiente; uma pandemia sem precedentes, com implicações socioeconômicas severas; e uma guerra que ainda perdura e acarreta efeitos negativos globalmente, comprometendo ofertas de produtos e matérias-primas, gerando aumento da inflação e redução do poder de compra da população.
Todas essas questões evidenciam a importância do fomento à inovação para o desenvolvimento de soluções eficazes para países, marcas e seres humanos enfrentarem e preverem adversidades, bem como compreenderem, com maior profundidade, como dialogar melhor com a população diante de cenários incertos.
No entanto, como podemos expandir cada vez mais a capacidade de pensar fora da caixa? Quando pensamos em inovação, o que nos vem à mente, a princípio, são gadgets, laboratórios, big data. Só que inovar também é questionar e explorar caminhos não-óbvios, além da tecnologia e em qualquer área profissional, e, para isso, a maior ferramenta que temos são as pessoas. Quanto maior a representatividade de olhares distintos para um mesmo problema, maior a pluralidade de perspectivas, ideias e soluções. Já estamos em 2023 e não podemos continuar a lidar com os mesmos problemas. Precisamos de saídas democráticas coletivas, pois não podemos encarar dilemas estruturais sozinhos.
É o que já apontaram os dados da pesquisa “Getting to Equal 2019: Creating a Culture that Drives Innovation”, realizada pela Accenture: companhias que investem em inclusão possuem equipes seis vezes mais criativas que suas concorrentes. Um levantamento publicado pela McKinsey & Company (2018), também identificou que organizações com maior diversidade de gênero têm um aumento de 21% na lucratividade. Com maior multiplicidade étnica, esse crescimento chega a 33%.
O próprio cenário brasileiro atual evidencia a importância da parceria entre “diferentes” para promover a democracia. Recentemente, observamos cenas simbólicas, como representantes de grupos minorizados subindo a rampa do planalto para entregar a faixa ao presidente; a cerimônia da posse de Anielle Franco e Sonia Guajajara em seus Ministérios da Igualdade Racial e Povos Indígenas; e o esforço conjunto que o governo e os três poderes estão realizando em momentos presentes críticos do país. A diversidade é, sim, um pilar estratégico para liderança com visão de futuro, em todas as esferas da sociedade.
Embora seja uma pauta frequentemente discutida por marcas que desejam gerar impactos sociais positivos, o que também possui imensa importância, o potencial estratégico da inclusão para os negócios é, constantemente, ignorado nas discussões de quem tem a caneta na mão. Investir em equipes heterogêneas, fomentar a troca e dar ouvidos ao que cada um tem a aportar é o que permite criar produtos, serviços e soluções altamente rentáveis, capazes de atender às necessidades de uma parcela maior do público-consumidor, de forma mais completa e eficiente.
Sabemos que as oportunidades de negócios e geração de riquezas também podem ser muito maiores, especialmente em um país como o Brasil, marcado historicamente pela desigualdade social e constituído pela pluralidade de origens, belezas, culturas, etnias, crenças e identidades. De acordo com a pesquisa “A Voz e a Vez – Diversidade no Mercado de Consumo e Empreendedorismo”, do Instituto Feira Preta em parceria com o Instituto Locomotiva, a população negra, que representa mais da metade dos brasileiros, movimenta, em renda própria, R$ 1,7 trilhão por ano. Entretanto, 82% dos consumidores negros gostariam de ser mais ouvidos pelas empresas e 90% das campanhas publicitárias ainda são protagonizadas por pessoas brancas.
Já o público LGBTQIAP+ movimenta mais de R$ 10,9 bilhões por ano no país e apresenta um gasto 14% maior do que os demais brasileiros, de acordo com dados do estudo “Rainbow Homes”, da NielsenIQ. Porém, também é pouco representado em ações de comunicação: segundo o levantamento global “Visual GPS 2021”, da Getty Images, apenas 20% dos entrevistados afirmaram ver pessoas LGBTQIAP+ em publicidades com frequência e, quando veem, dizem ser de forma estereotipada. Olha quanto dinheiro na mesa.
Diversidade e representatividade são questões econômicas. Quando não inseridos em discussões estratégicas, perdemos a identificação com segmentações de audiências que vão muito além do tradicional demográfico e regional, gerando não somente muito mais dificuldade para nos comunicar com eles de maneira eficiente, como deixando de fazer negócios. Algumas das campanhas e lançamentos mais inovadores e bem-sucedidos das quais participei nasceram, justamente, a partir do diálogo com públicos invisibilizados que nos fizeram olhar de novo para a maneira como fazemos comunicação e negócios.
Mais um exemplo: melanina não é tudo igual. O movimento #EssaÉMinhaCor, por exemplo, nasceu de levantamentos internos que revelaram que 70% das mulheres negras estavam insatisfeitas com as opções de maquiagens disponíveis no mercado brasileiro – dado compatível com constatações feitas no congresso IFSCC de 2022 por Demond Tobin, professor de ciência dermatológica da Universidade de Dublin, que evidenciaram a importância da diversidade para ampliar o conhecimento científico sobre pigmentação de peles, ainda consideravelmente eurocêntrico.
A partir daí, baseado nas vivências de mulheres negras e em cocriação com as experts, realizamos uma revisão interna no nosso desenvolvimento global de pesquisa científica, que culminou na criação de uma nova e mais ampla paleta de cores para bases, corretivos e pós compactos, e de um Compromisso Antirracista que visa expandir a representatividade preta em nossas campanhas, portfólio de produtos e entre colaboradores e lideranças da marca.
Ainda temos muito a aprender e fazer, porém, estamos caminhando para ter a representatividade refletida em nossa oferta de produtos e uma amplitude maior para girar a economia através da autoestima das mulheres pretas em um país com a maior população autodeclarada negra fora do continente africano – e aqui mais um exemplo de proporção do mercado.
Comunicação cria cultura. E quem não quer criar o ritual da inovação, que não saia do lugar comum pensando sempre com a mesma cabeça, com as mesmas visões de mundo. No entanto, este é um processo que precisa ser realizado de dentro para fora, ampliando a inclusão dentro das companhias e estimulando lideranças e colaboradores a se colocarem como ouvintes e aprendizes. Muito mais do que uma causa social, a diversidade é uma vantagem competitiva de empresas vanguardistas e lideranças transformadoras.
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