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Opinião

Em defesa do ESG

É hora de resgatar a racionalidade da sigla e do termo sustentabilidade, e o momento é favorável, porque pode ser uma reconstrução em terra parcialmente arrasada


9 de abril de 2024 - 15h30

Tudo o que é tomado e usado de forma equivocada, exacerbada, provoca reação igualmente equivocada e exacerbada, de negação, no sentido contrário.

Assim está acontecendo com a sigla e significado ESG no mercado de capitais americano, com impacto global. Investidores retiraram de fundos sustentáveis valores expressivos, em 2023, o que gatilhou essa fobia.
O uso do ESG chegou à exaustão do uso irracional e político. Dando ao assunto uma pecha que ele de fato não tem, nos meios que o entendem, praticam e valorizam.

No mercado de capitais, gestores de ativos usaram a sigla, sem mesmo conhecer seu significado, como forma de ganhar dinheiro, estabelecendo-a como um diferencial necessário, mas sem lastro racional. E isso deu margem a focos de reação inversos, na mesma medida.

As implementações idealistas e ingênuas trabalharam contra sua seriedade, assim como deu margem a opositores ferrenhos, e espaço a oportunistas, que viram a chance de tirar vantagens. Como acontece em qualquer crise, exemplo da pandemia, sobre vacina ou não vacina, remédio ou não remédio, álcool gel como produto artificialmente raro, para se justificar pela lei da oferta e da procura.

É, portanto, necessário resgatar o significado da sigla, ainda que ela não tenha perdido sua substância real e sólida, fora do meio que a exacerbou. É hora de resgatar a racionalidade da sigla ESG e do termo Sustentabilidade. E o momento é favorável, porque pode ser uma reconstrução em “terra parcialmente arrasada”.

A Sustentabilidade não é um tempero ou ingrediente de ação imediata, mas uma criação de valor a médio e longo prazos. E isso exige mentalidade e educação que excedem a visão frenética de curto prazo, na busca do resultado.
É forte tendência humana deixar para tratar no futuro o que está no futuro, que ainda não aconteceu de fato, ainda não está visível. Os que têm essa visão acabam sugados pela competição imediata protagonizada pelos que não a têm, ou não se importam com ela. Poucos conseguem sair desse redemoinho e trabalhar para fundamentar algo que só tem solução preventiva, agora. Porque, quando acontecer, de fato, não terá.

No âmbito político, vimos recentemente, na COP28, o tratamento equivocado do tema dos combustíveis fósseis, pretendendo que nações inteiras, que vivem econômica e substancialmente dessa extração, de repente, não mais que de repente, se comprometessem simploriamente a pôr um fim nessa atividade, com frágeis projetos de substituição energética. Uso irracional do tema. Fracasso lógico e imediato dos argumentos. É certo que esse é um tema crítico, e terá que ser tratado. Mas precisa de um pacto inteligente e geral do planeta, para prover sustentabilidade econômica às nações, enquanto se migra para uma solução saudável e sustentável em longo prazo, em respeito à vida.

Esse ruído suscitou, na política americana, sobretudo nos republicanos, uma defesa igualmente insana e raivosa dos combustíveis fósseis, em que uma malha extensa e vital para uso político está firmemente estabelecida, e ai de quem tentar mexer com ela.

Essa patética investida na COP atingiu a Sustentabilidade, e ricocheteou na sigla ESG, destacando seus aspectos marginais ultrapassados, de ativismo, ecochatice, alienação econômica, falta de seriedade, e outros impactos.
Com esse enfraquecimento estratégico, não tardou para que outros blocos emergissem seus preconceitos, e atacassem o que sentem como ameaça para seus interesses imediatos. Coisa de cachorro grande, como dizem.

O próprio Larry Flink, CEO da Black Rock, declarou que pararia de usar a sigla pela excessiva politização que ela tomou. E isso repercutiu muito além do simples significado que ele deu, de parar de usar a sigla. A repercussão cresceu para uma pós-verdade de verdadeira condenação do ESG como tema. Jornalistas do mundo todo criaram matérias alarmistas, atribuindo à fala de Larry Flink a negação, e até uma guerra contra o conceito.

O espaço está aberto para os racionais sérios, que sabem o valor e lideram o esforço da Sustentabilidade para todo o planeta, beneficiando, inclusive, esses arautos ruidosos que a detratam.

Muitas das práticas que compõem a sustentabilidade já existiam antes da adoção da sigla e do termo, e eram tidas como valiosas e praticadas com base em seu valor real, em curto, médio e longo prazos. Ao serem inclusas no novo guarda-chuva, ficaram expostas às tormentas que ele tem enfrentado.

É como dizer, que, embaixo de infecções cutâneas, ou vírus e bactérias nocivas, ainda há um corpo humano genial, complexo, resistente, resiliente, pronto para reagir aos males que o atacam. E os remédios não são a salvação, mas apenas reforços coadjuvantes da maravilha da criação.

Assim, é cuidar para que o corpo reaja, com sua magnitude natural, limpando os excessos de suplementos que o mercado oportunista foi criando. Ou seja, trabalhar junto às empresas para que elas identifiquem o extrato principal de seu impacto no meio interno e externo, e se livrem dos adereços originalmente adotados apenas para o marketing da boa vontade em ser sustentável.

O caminho dos Relatórios de Sustentabilidade, que são o embrião do Relato Integrado, é um ótimo instrumento de reação. Ao cuidar do conteúdo a ser relatado, mais do que com a forma a ser publicado, as empresas efetivamente se concentrarão em identificar impactos e valores que sustentem o negócio no longo prazo, reforçarão ou adicionarão ações nesse sentido, e descobrirão que, no final, seu relato está forte, consistente, e pronto, em tempo real. Essa descoberta será o ponto de inflexão, que não permitirá novas aventuras oportunistas e equivocadas sobre o tema. E esse tempo não está longe. Está ainda na década em que estamos vivendo.

Aquilo que se construiu, fora do circo das exacerbações e reações cegas, ainda está vivo, não sofreu reveses, e aproveitará o hiato das perturbações impertinentes, para se expor à luz, colher sua energia, e emergir mais forte do que antes. E, por ver essa liderança se movendo, seguidores se mobilizarão, mormente aqueles que participam das cadeias sustentáveis das empresas líderes, no sentido de percorrer uma estrada agora livre de obstáculos, promissora em seu destino, e compensadora dos esforços e percorrê-la.

Como em muitas outras situações humanas, econômicas, sociais, políticas, sempre tem aquele grupo inteligente que se reserva de participar dos agitos frenéticos iniciais, das construções e desconstruções de mitos, da criação de pós-verdades, pensando ou dizendo: “deixa essa poeira baixar, e então iremos.”

A poeira está baixando.

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