Fragmentação? Que fragmentação?
A tecnologia também produz uma nova era de concentração de poder em mãos de poucas companhias
A tecnologia também produz uma nova era de concentração de poder em mãos de poucas companhias
Temos o costume de repetir que vivemos uma era de incrível fragmentação da atenção e de escolhas, mas será mesmo verdade? O uso cada vez mais intenso da tecnologia, ao mesmo tempo que nos dá uma sensação de poder e liberdade, produz paradoxalmente uma nova era de concentração de poder em mãos de poucas companhias.
Segundo o ComScore, os brasileiros despendem 89% do seu tempo mobile em apps. Até aí, nada de mais, mas dos cinco apps mais utilizados, quatro são controlados pelo Facebook Inc (WhatsApp, Facebook, Instagram e Messenger). E não é por acaso que, em fevereiro, o Facebook atingiu participação de 75,6% do mercado mundial de mídias sociais.
Quando o assunto é buscas, a concentração é ainda maior. O mercado de buscas no mundo está avaliado em US$ 92,4 bilhões, e o Google detém uma participação de 91,6%. Esse valor é maior do que o mercado publicitário de qualquer país (exceto os Estados Unidos), e superior inclusive ao de setores que tradicionalmente movimentam um volume grande de recursos, como o de construção e engenharia, avaliado em US$ 75 bilhões.
No mercado de publicidade online dos EUA, que movimentou US$ 73 bilhões em 2016, Google e Facebook abocanharam 68%. E juntos foram responsáveis por 85% do crescimento registrado na publicidade digital dos EUA entre 2015 e 2016. Esses players foram não só os que mais cresceram, como sua participação no bolo só tende a aumentar.
Tamanha capacidade financeira e acesso a uma infinidade de dados permite detectar um possível concorrente antes mesmo que ele se torne uma ameaça real. O Facebook já possui um sistema interno de alerta para identificar ameaças potenciais. Possivelmente, foi assim que comprou o Instagram e o WhatsApp. A estratégia parece ser “Buy or Destroy”: em 2013, o Snapchat recusou oferta de US$ 3 bilhões do Facebook. Em 2016, o Instagram lançou o Stories (mensagens que se apagam em 24h, igual ao Snapchat), e o Snap nunca mais foi o mesmo.
Já o Facebook opera uma rede (Facebook, Instagram, WhatsApp e Messenger), o que favorece seu crescimento exponencial. Para manter o poder, precisa continuar expandindo e mantendo os usuários em suas plataformas. Diante do tamanho e tempo despendido dos usuários nessas redes sociais, os provedores de conteúdo não têm como evitá-las, e participam delas, contribuindo ainda mais para o seu domino e aumento de receita. Segundo dados do próprio Facebook, em 2017 a receita com publicidade cresceu 49%, atingindo US$ 39,9 bilhões.
Recentemente, o Facebook fez uma nova atualização do seu algoritmo, dando maior visibilidade aos conteúdos de amigos e familiares, e reduzindo o alcance orgânico das páginas de empresas, o que gerou um embate com produtores de conteúdo. Qualquer mudança no algoritmo que determina o que aparece na timeline das pessoas molda a atenção, e tem o potencial de recalibrar a forma como elas enxergam o mundo, e até reforçar visões extremistas.
De uma maneira geral, quando esses players entram em um mercado, é para dominar. E seu crescimento é rápido e exponencial. Por exemplo, em janeiro de 2010, o market share do Google Chrome era de 6%, e em fevereiro de 2018 atingiu 57%, enquanto o segundo colocado (Safari) tem apenas 14%. Em 2009, a participação do sistema operacional Android era de 4%, e em fevereiro de 2018 atingiu 74,7% dos celulares do planeta, em comparação a apenas 20% do IOS, o segundo colocado.
Seguindo o exemplo da Berkshire Hathaway, que é comandada pelo bilionário Warren Buffett, mas é composta por série de empresas menores com seus respectivos CEOs, o Google anunciou, em 2015, a criação da Alphabet. Assim, enquanto o Google atinge sua maturidade, a Alphabet consegue ir além de dados e informações e investir em outras empresas que estão mudando a infraestrutura ao nosso redor. A divisão Google X inclui esforços como o Wing, o projeto de entregas por meio de drones, divisão esta que também inclui o projeto Waymo, de carros autônomos. Diferentemente dos concorrentes, o projeto Waymo roda sem um humano atrás do volante como backup.
No mercado de assistentes virtuais, a Amazon detinha 93% de participação no terceiro trimestre de 2016, e o Google não era listado. No final de 2017, o Google abocanhou 35% e reduziu a participação da Amazon para 51%. Com a implementação das assistentes virtuais em outros dispositivos, como a TV, o controle remoto parecerá coisa da idade da pedra. E ainda mais quando elas puderem se conectar a outros dispositivos em sua casa. Elas sairão do “sei tudo” para o “faço tudo”, em um mercado que deve atingir US$ 15 bilhões em 2021.
Mas o avanço do Google não para por aí. Recentemente a Alphabet comprou a empresa Redux ST, que desenvolveu uma solução que transforma as telas de smartphones em alto falantes. Portanto, a próxima geração do Google Pixel pode vir sem alto faltantes.
Será que tamanha concentração de poder e recursos por um pequeno número de empresas não irá frear o que existe de mais dinâmico no capitalismo: a livre competição e a liberdade de escolha e pensamento? Pois é, o mundo é cada vez mais complexo, mas não necessariamente mais fragmentado!
*Créditos da imagem no topo: Pixabay/Pexels
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