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Opinião

Há limites para influenciar o consumidor?

Muitas empresas sabem que alguns contextos e informações que escolhem transmitir durante a “jornada do consumidor” não o ajudam no processo de decisão


1 de agosto de 2023 - 6h00

Não é aceitável não reconhecermos a responsabilidade moral das empresas no desenho de processos que influenciam as decisões do consumidor (Crédito: Marko Aliaksandr/Shutterstock)

Convidado a propor um conjunto de intervenções comportamentais que aumentassem o engajamento das pessoas ao aplicativo de um cartão de crédito, minha equipe e eu percebemos que o tal aplicativo continha armadilhas que visavam à venda fácil e impulsiva de crédito. De modo resumido, a empresa usava um conjunto significativo de vieses cognitivos e de dados comportamentais dos clientes para vender produtos financeiros que representavam um risco relevante de endividamento. Propusemos à empresa uma alteração profunda do aplicativo, retirando todas as armadilhas, transformando-o num instrumento de promoção da saúde financeira de seus clientes. Disseram-nos polidamente que compreendiam a nossa posição, mas que o problema do endividamento não era da empresa, mas, sim, das pessoas. Disseram que as decisões são responsabilidade absoluta dos seus clientes e que o papel da empresa é vender o máximo. Não fizemos o projeto, claro, mas fiquei com aquilo na cabeça.

Esta não é uma forma de pensamento incomum. Por isso, proponho uma reflexão rápida acerca da responsabilidade moral das empresas sobre as escolhas dos consumidores, principalmente quando aplicam as Ciências Comportamentais nesse processo.

Vohs e Faber (2011 – https://encurtador.com.br/sPT57) informam-nos, por exemplo, que o consumidor está mais vulnerável a comprar por impulso após um dia de trabalho, ou quando se encaminha para o caixa, cansado, depois de ter andado por todo o supermercado. Algumas das estratégias mais utilizadas para “aproveitar” este momento de vulnerabilidade do consumidor são: utilizar a proximidade física, colocando ofertas no caminho que o consumidor obrigatoriamente faz até passar as compras pelo caixa; e fazer ofertas por tempo limitado, elicitando, nos dois casos, diversos vieses cognitivos que aumentam significativamente a probabilidade de uma compra por impulso acontecer.

Muitas empresas sabem que alguns contextos físicos e algumas informações que escolhem transmitir durante a chamada “jornada do consumidor” não ajudam consumidoras e consumidores no processo de decisão. Isso acontece porque são intencionalmente enquadradas para que tomemos decisões menos deliberadas, mais rápidas e enviesadas. Por mais que tenhamos listas de compras e restrições de recursos, não conseguimos simplesmente desligar os processos cognitivos que processam o contexto físico e as informações que recebemos. Mesmo os especialistas são influenciados por informações que não deveriam considerar. É muito difícil o consumidor, independentemente da classe social ou dos anos de instrução, não sucumbir a estas armadilhas e deixar o impulso vencer. Na maior parte das vezes, nem percebemos que isso acontece.

Apesar de discordar, compreendo quem pensa que este tipo de intervenção comercial é eticamente aceitável. Desde há muito, temos sido influenciados pela ideia de que somos agentes sublimes – que conseguimos calcular custos e benefícios quase perfeitamente, que conhecemos nossas necessidades e preferências de modo claro, e que levamos em consideração os recursos disponíveis. Se temos a crença de que somos sublimes, pensaremos, logicamente, que não há razões para não tomarmos sempre as melhores decisões ou algo próximo disso. Acontece que não somos assim. As Ciências Comportamentais mostram-nos uma realidade muito diferente, devolvendo-nos alguma humanidade e mostrando-nos o quanto somos vulneráveis à manipulação intencional de nossos juízos e decisões.

Diante disso, não é aceitável não reconhecermos a responsabilidade moral das empresas no desenho de processos que influenciam as decisões do consumidor. Há limites morais para influenciar consumidores, eleitores e cidadãos, principalmente os mais vulneráveis.

Os exemplos que referi fazem parte de um conjunto bastante conhecido de intervenções que pioram as condições da tomada de decisão do consumidor. A questão não é impedir que as empresas vendam ou que influenciem os consumidores, mas, sim, impedir que tornem as decisões dos consumidores menos deliberadas e menos fundamentadas nos seus melhores interesses, ponderadas, obviamente, pelos impactos na sociedade.

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