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Opinião

Joguem fora seus amuletos

Protagonismo não é favor, é reparação, está previsto em lei, além de ser estratégia e crescimento para as empresas e para o País


7 de agosto de 2019 - 18h12

(Crédito: Fg Trade/iStock)

Pense em uma campanha de lançamento de um novo carro? Qual seria o cenário? Quem estaria dirigindo e protagonizando este momento? Resposta rápida: Você provavelmente não pensou em uma mulher negra. A não ser que te pedissem que fosse. Você pode até argumentar: “mas em nenhum lugar no ​briefing ​estava escrito que deveria ser uma mulher negra”. Minha resposta é que tampouco havia descrito que deveria ser uma mulher ou homem branco. Certo? Mas, por que esta pessoa branca, em geral, é a que vem na mente dos publicitários para ilustrar esta e tantas outras cenas tão corriqueiras? Basta olharmos ao redor.

Segundo o levantamento feito pela Heads de 2015, apenas 1% das protagonistas dos comerciais eram negras e representariam 4% da participação total. Por que o branco tem que ser o padrão? Por que esta raça é aquela que fala com todos? Por que esta é a cor ​default ​da personagem neutra? Por que questionar esta falta de diversidade e a perpetuação do racismo e do privilégio branco é tida como mimimi mesmo entre os que se dizem “desconstruidões” no mundo publicitário?

Venho me questionando sobre isso já há algum tempo. Desde quando fazia desfiles de passarelas por alguns cantos deste mundo e editoriais de moda, sem poder pegar uma campanha de cabelo, pois meus fios não eram vistos como “normais”. Ou que a minha pele era preta demais para paleta do make. Ah, e se eu abrisse a minha boca para dizer que aquela segregação era racismo, todos ao meu redor achariam que era exagero e diriam que não eram racistas, afinal todos têm um primo negro e até curtem samba. Mal (ou bem) sabem que ao tentar se livrar de carregar o peso do racismo individual, por meio destas frases, atestam um racismo estrutural e coletivo que nos acompanha todos os dias, e tem sido a base fundamental dos estereótipos disseminados pela mídia no nosso dia a dia.

Em um país composto por maioria preta (negros de pele escura) e pardos (negros de pele mais clara), o clamor por representatividade nada tem de assistencial. O case “​My Black is Beautiful”​ da ​Procter and Gamble, que completou recentemente 10 anos e tem mais de 2,5 milhões de seguidores nos Estados Unidos, mostrou que uma mudança estratégica e mais conectada com a necessidade de representatividade nos produtos do portfólio da marca, elevou em mais de 5 vezes o ticket médio da consumidora negra, que passou a se identificar com os produtos nos quais via alguém semelhante a ela.

Aqui no Brasil, ainda podemos avançar muito. Afinal, diferente dos Estados Unidos onde o público negro representa 13% da população ou o equivalente a 40 milhões de pessoas, aqui no Brasil somos maioria e um contingente quase três vezes maior do que o do país de Trump. O termo minoria nem cabe para nós. Na publicidade somos minorizados, mesmo sendo a maioria.

A boa notícia é que existem grandes oportunidades para marcas se engajarem com a temática racial. E o momento é agora! E bastante fomentado pela efervescência das redes sociais. Marcas e pessoas cujas práticas de diversidade e inclusão estão só no papel, estão cada vez mais expostas. O amigo negro já não sustenta como amuleto da crença “eu não sou racista”. A sociedade quer concretude, representação visível interna e externa e para além da base. E este é um caminho sem volta. Seja pelo amor ou pela dor.

No Instituto Identidades do Brasil, por exemplo, organização da qual sou fundadora e diretora executiva, criamos o prêmio “Sim à Igualdade Racial” que tem “Destaque Publicitário”, como uma de suas categorias, com o objetivo fomentar mais campanhas com protagonismo negro sobre temáticas diversas. Entre as finalistas deste ano ficaram as campanhas “Penteado” da Vivo, “Afrofuturo” da Avon e “Leia para uma Garota” do Itaú (campeã 2019). Também fomentamos este tipo de discussão em nosso fórum “Sim à Igualdade Racial 2019”, ​o maior evento gratuito de conexão entre profissionais negros da América Latina.

O painel “Narrativas antirracistas no audiovisual”, por exemplo, busca pensar para quem e por quem as produções audiovisuais estão sendo feitas, o que significa representatividade de raça e gênero em uma indústria que movimenta R$ 55,4 bilhões na economia brasileira e como podemos seguir para um futuro que diga “Sim à Igualdade Racial” no audiovisual. Além disso, quando refeito o levantamento, que mencionei anteriormente, da Heads no ano de 2018, há um indício de que a participação geral das mulheres negras nas campanhas passou para 25%.

A exigência, cada vez mais, é que este aumento numérico seja contínuo, representativo (não só para as pessoas negras de pele mais clara) e ainda mais qualitativo, para além de quantitativo. Que os carros das campanhas possam ser dirigidos por todos e não somente por pessoas brancas, acreditando representar todos. Afinal, protagonismo não é favor, é reparação, está previsto em lei, além de ser estratégia e crescimento para as empresas e para o País.

*Crédito da imagem no topo: Frimages/iStock

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