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Agências e anunciantes cogitam delegar ao Cenp diretrizes e mediação de concorrências, para diminuir perda de energia e dinheiro que a prática especulativa causa a todo o mercado


16 de julho de 2018 - 10h58

Crédito: Sentavio/iStock

Ainda de maneira informal e incipiente, está sendo estudada por lideranças do mercado a possibilidade de envolvimento do Conselho Executivo das Normas-Padrão (Cenp) no estabelecimento de diretrizes e na mediação de conflitos provocados pelos processos de concorrências impostos pelos anunciantes às agências. Com isso, abre-se uma oportunidade das mais promissoras nos últimos tempos para o enfrentamento de um problema que caleja todo o mercado, especialmente pelo fato de este debate envolver espontaneamente dirigentes da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) e da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap).

Eterno motivo de discórdia entre as partes, a estafante ciranda das concorrências é uma das práticas que mais sugam tempo e drenam dinheiro da indústria. O aperto nas finanças e o controle mais rígido dos investimentos em marketing dos grandes anunciantes fizeram crescer entre eles a percepção de que são os clientes fiéis os mais prejudicados pela dispersão causada pelo envolvimento de suas agências em concorrências promovidas por outros anunciantes. Como o dinheiro que financia as agências sai dos cofres dos clientes, em última instância são eles que bancam a roleta-russa das concorrências, na qual a maior parte dos gastos vai para o ralo — já que, via de regra, só o trabalho da vencedora será recompensado futuramente.

A concorrência ludibria o anunciante ao colocar vários pretendentes diante de uma conta desejada: muitas promessas feitas nesses processos não se materializam no dia a dia do relacionamento — e o rompimento pode acabar causando uma nova concorrência. Assim, alimenta-se o contrassenso das relações efêmeras em um contexto global de transformações no qual é justamente a afinidade entre as partes que gera o melhor ambiente para estratégias de comunicação consistentes. Há casos em que os contratos anteriores são renovados, mas à custa de deterioração no entusiasmo da agência e, em contrapartida, remuneração menor pelo cliente. Por seu lado, as agências são as maiores responsáveis pelo atual cenário de desperdício: ao se lançarem na briga a qualquer custo por novos negócios, acabaram se fragilizando.

A concorrência ludibria o anunciante ao colocar vários pretendentes diante de uma conta desejada: muitas promessas feitas nesses processos não se materializam no dia a dia do relacionamento

As conversas no âmbito do Cenp, que poderão ganhar força neste segundo semestre e gerar a instituição formal de um grupo específico para tratar o tema, têm o nobre objetivo de encontrar saídas para minimizar os custos das concorrências. Se conseguirem atingir essa difícil meta, as lideranças envolvidas terão prestado um ótimo serviço. Afinal, é um dinheiro considerável que poderia ser destinado ao atendimento, planejamento, criação e produção reais para os clientes que não estão fazendo concorrências.

Olhando o modelo de organização da indústria no Brasil, o melhor fórum para o assunto é, de fato, o Cenp, órgão que já nasceu com a missão de regular as relações comerciais entre as empresas atuantes no mercado. As concorrências são justamente o passo inicial de boa parte dos relacionamentos entre anunciantes e agências. E esse parece ser o momento ideal para essa nova chance de repensar um problema antigo sobre o qual o mercado tomou pouquíssimas providências práticas até hoje. A relação hostil de anos atrás entre anunciantes e agências deu lugar ao diálogo que busca entendimento. Se é exagero dizer que ABA e Abap estão em lua de mel, é notável o esforço das duas entidades em tentarem resolver juntas suas diferenças. Foi justamente esse clima favorável que permitiu o início das conversas sobre concorrências no Cenp.

Não é fácil normatizar as relações entre empresas da iniciativa privada — as contas públicas estão fora dessa discussão, já que seguem o rito de licitações que, muitas vezes, causa menos prejuízos às agências envolvidas, por predeterminar regras e prazos. Entretanto, se querem de fato mudar o cenário de concorrências predatórias, os profissionais envolvidos nas discussões terão de ir além das tradicionais cartilhas e manuais de melhores práticas. Eles já existem, e não funcionam.

O desafio é equalizar a questão das concorrências, tornando-as mais justas para agências e anunciantes, e não tirar do mercado energia que poderia estar empenhada em melhores resultados para as marcas, mas está sendo gasta com trabalho especulativo, no qual, geralmente, estão envolvidos os melhores talentos das agências. O caminho do consenso é longo e tortuoso, mas a boa vontade que os representantes de anunciantes e agências têm demonstrado nas primeiras conversas sobre o tema no Cenp é um alento.

 

*Crédito da imagem no topo: Rawpixel/iStock

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