Muito prazer, sou seu criativo
Está mais do que na hora de os criativos conhecerem quem toca as marcas e de os donos das marcas reconhecerem quem dá alma a elas
Está mais do que na hora de os criativos conhecerem quem toca as marcas e de os donos das marcas reconhecerem quem dá alma a elas
Você lembra do nome do criativo ou da criativa que criou sua última campanha? Não? Pois é aí que começa o nosso naufrágio silencioso. Quando esquecemos quem está por trás das ideias, precisamos revisitar as origens da nossa indústria.
Deixa eu relembrar uma pequena história. O coração da publicidade sempre foi a dupla de criação. Um modelo nascido no auge da Madison Avenue, quando engravatados visionários decidiram que juntar o “escrevedor” ao “desenhador” era o único caminho para a mágica acontecer. Alex Periscinoto, o “P” da Almap, importou e tropicalizou esse conceito para o Brasil.
Naqueles tempos, a dupla era mais teoria do que prática: o redator escrevia no céu, o diretor de arte desenhava no calor do inferno, e ambos rezavam para que, no fim do dia, suas ideias finalmente se encontrassem. Mas aí o Brasil fez o que sabe fazer de melhor: misturou tudo, com um toque de sotaque catalão. Petit e Zaragoza colocaram a direção de arte no olho do furacão — e nasceu, enfim, a verdadeira dupla criativa. Então veio Sir Washington, corintiano, revolucionando o jogo mais uma vez. Não só consolidou a dupla Olivetto + Stabilo, mas reinventou o conceito: agora, criativos e clientes eram parceiros de criação.
Dessa relação nasceram campanhas que entraram para a cultura popular. Para o cachorro da Cofap, Sir W duplou com Kasinski. Para o garoto Bombril, com Sampaio Ferreira. Para o último sutiã, com Ivo Rosset. Nizan Guanaes e Matias brilharam com o Itaú. Depois, vimos isso nas Havaianas com Marcello Serpa e Rui Porto. Mais recentemente, Fernando Machado e Anselmo Ramos ensinaram ao mundo a celebrar a real beleza.
O que todas essas histórias têm em comum? Relações profundas entre quem cria e quem aprova.
Mas, hoje, a conversa mudou. Estamos obcecados por inteligência artificial (IA), IA generativa, automação — o carrossel infinito das novas tecnologias. Esse admirável mundo novo pelo qual, com razão, todos estamos apaixonados. Lembra do pai do comercial do Itaú Seguros? Igualzinho.
Só que, nesse processo, nos distanciamos do que é mais básico, mais humano e, paradoxalmente, mais insubstituível: aquele chopp Brahma, ou uma boa taça de Malbec compartilhada entre criador e cliente. Já notou como o almoço do Parigi anda vazio?
A verdade é que nunca estivemos tão distantes das marcas. E nunca os donos das marcas souberam tão pouco sobre quem cria suas campanhas. Vamos ser honestos: é mais fácil lembrar em quem você votou pra vereador na eleição passada do que o nome de quem criou sua última campanha.
Juntos, influenciávamos. Deixamos esse espaço, de mão beijada, para os novos influencers — que, ironicamente, se preocupam ainda menos com as marcas. Nos distanciamos tanto que começamos a desaprender a verdadeira fórmula das grandes ideias: relação + confiança = WOW. Mas, como dizem por aí, isso é uma faca de dois gumes. Os dois lados têm culpa no cartório.
Os criativos não se ajudam. Trocam de agência como quem troca de camiseta preta. Muitos não têm compromisso com consistência ou longevidade — palavras que viraram quase palavrão. As agências, por sua vez, viraram filiais do Airbnb.
Talvez por isso os clientes também mudem de criativos com a mesma facilidade. Tudo ficou frio, distante e superficial. O reflexo? Campanhas igualmente frias, distantes e superficiais. O que vai para as ruas é o reflexo direto da relação entre criativos e donos das marcas.
Hoje, vivemos a era dos “ficantes”. Um job aqui, outro ali, sem lastro, sem história. Trocamos de parceiro mais do que alguns dão match no Tinder. E isso, para a criatividade, é um desastre. A ideia precisa do “bora, vamos juntos”. E isso só nasce de uma relação de confiança.
Está mais do que na hora de voltarmos a nos apresentar. Decidir se vamos namorar ou ser apenas amigos. Mas, acima de tudo, tomar uma posição. Está mais do que na hora de os criativos conhecerem — de verdade — quem toca as marcas. E de os donos das marcas reconhecerem quem dá alma a elas.
E então, ver se dá liga. Se não der, tudo bem. Adiós. Prometo: um dia você, criativo, vai encontrar a marca dos seus sonhos. E você, guardião da marca, vai encontrar um criativo para chamar de seu.
No fim das contas, grandes ideias sempre nascem de grandes relações.
E relação boa, a gente constrói. Não terceiriza.
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