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Opinião

Na luta contra a misoginia, nós homens, perdemos por WO

No Brasil, as mãos masculinas são estendidas apenas para calar a boca dos críticos, esbofetear mulheres e dar tapinhas nas costas dos brothers


6 de março de 2023 - 13h00

(Crédito: Lightspring-shutterstock)

O termo “red pill” vem do filme Matrix (1999) em que o protagonista recebe a possibilidade de despertar para a realidade (tomando a pílula vermelha) ou manter-se num simulacro (através da pílula azul). Atualmente, o termo “red pill” refere-se a um framework ideológico pelo qual homens, na sua imensa maioria brancos e alinhados à extrema direita, “despertam” para a “realidade”, onde estão todos sendo mantidos sob os caprichos e poderes sexuais, econômicos e culturais das mulheres, principalmente as feministas, as quais devem ser combatidas e dominadas.

Esses homens estão organizados através de um coletivo de sites, blogs, canais em redes sociais e fóruns que promovem masculinismo, misoginia e oposição às pautas feministas. Essa machosfera é composta por ativistas dos “direitos dos homens”, incels (celibatários involuntários), coaches de sedução entre outros tipos. Já existem há muito tempo no Brasil, mas ganharam os holofotes depois que um dos seus influenciadores passou a ser ridicularizado pelas suas falas que incentivam a objetificação e violência contra mulheres. Ele reagiu de forma agressiva com uma atriz que o parodiou, ameaçando-a de “processo ou bala”.

No Brasil, uma menina ou mulher é estuprada a cada dez minutos. Três mulheres são vítimas de feminicídio a cada dia. Uma travesti ou mulher trans é assassinada a cada dois dias. 26 mulheres sofrem agressão física por hora. 76% das mulheres já sofreram violência e assédio no trabalho. Por dia, são registradas em média 40 denúncias de ódio contra mulheres na internet. Mas quem está na internet sabe que é muito mais.

Em 2017, um dos maiores publicitários brasileiros deu uma entrevista dizendo que o empoderamento feminino é um clichê constrangedor de baixo nível intelectual. Na mesma entrevista, esse um dos maiores publicitários brasileiros fala de uma palestra (que está em vídeo para quem quiser ver) onde ele aborda, sem constrangimentos, a ideia de uma campanha onde se explica “Por que um Porsche é melhor do que mulher (que, diga-se de passagem, é excelente)”.

Eu não vou gastar meus caracteres contando toda a “ideia” do grande publicitário, mas destaco seu final: “Quantos homens você conhece que têm um Porsche? Pouquíssimos. Quantos você conhece que têm mulher? Um monte. No entanto, todos os que têm Porsche têm mulher e nem todos os que têm mulher têm Porsche”.

Curiosamente, o coach misógino tem uma fala muito parecida num dos seus posts: “Quando você começa a ir atrás de mulher, você fica sem grana e mulher. Se você for atrás de grana, você vai ter grana e mulher. Foca no teu corre primeiro, porque mulher vem por consequência”.

A publicidade tem uma influência imensa no imaginário da população. Através das décadas foram veiculadas propagandas na qual a objetificação das mulheres, inferiorização das pessoas negras e ridicularização das pessoas LGBTQIAPN+, tudo a serviço do protagonismo e da supremacia da masculinidade branca. A publicidade masculinista brasileira coleciona silenciosamente prêmios simbólicos pelo grande sucesso das campanhas de “red pill”.

Por conta disso, homens não aceitam perder, não aceitam desaforo, não aceitam críticas, não aceitam ser contrariados, não aceitam chacotas, não aceitam fins de relacionamento. Em todos os relacionamentos, dentro de casa e dentro dos ambientes de trabalho.

Não haverá surpresas se houver mais condenações silenciosas contra a minha abordagem do que contestações públicas às falas do grande publicitário brasileiro ou do coach masculinista. No Brasil, as mãos masculinas são estendidas apenas para calar a boca dos críticos, esbofetear mulheres e dar tapinhas nas costas dos brothers.

Na luta contra a misoginia, até agora só escolhemos o WO. Mas podemos e devemos fazer diferente. Associações que reúnem agências e anunciantes têm nesse tema uma das muitas pautas para se trabalharem em conjunto e em parceria com consultorias especializadas em construir mensagens positivas e abrir espaços seguros de denúncia que garantam que vítimas possam ser escutadas e agressores sejam responsabilizados.

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