Não observe só o consumidor, olhe para as pessoas
Venho de uma geração cuja angústia profissional nascia da falta de cenário. Agora, a apreensão parece advir das infinitas possibilidades
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“Na realidade, seria inconcebível entre nossos pais uma conversa como essa que estamos tendo agora. Eles não ficavam conversando à noite, mas dormiam profundamente. Nossa geração dorme mal, ficamos angustiados, conversamos muito e estamos sempre procurando descobrir se temos ou não razão. No entanto, para nossos filhos ou netos, estará resolvida essa questão de se ter ou não razão. Isto lhes aparecerá mais claro.”
A sequência dessas palavras nos faz viajar no tempo em busca da nossa própria angústia adolescente. Lá naquela época, estava eu certo de que seria médico em um ano, confiante que me tornaria músico de blues no outro. Enquanto nada decidia, caminhava a passos lentos na direção de uma faculdade de comunicação para assim garantir o diploma do bom filho. A memória puxou esse trecho como quem agarra a cordinha para voltar à tona. Eu e meu dupla Marcos Medeiros estávamos mergulhados em perguntas de jovens estudantes no Young Wave Circus. A ansiedade no ambiente era tateável. Pensei nos dilemas daqueles jovens, déjà-vu.
Eu venho de uma geração cuja angústia profissional nascia da falta de cenário. Você entrava no mercado e realizava que a vida seria em uma agência. Agora, a apreensão parece advir das infinitas possibilidades. Como quem adentra em um estacionamento vazio e roda sem saber se é melhor parar perto da escada rolante, do elevador, de ré, de frente. Em comum, a aflição, a cobrança familiar, a pressão do amigo que já conseguiu um emprego e parece ter se encontrado, a pergunta que não cessa: é isso mesmo que eu quero? A passagem citada foi escrita em 1898 pelo russo Anton Tchekhov, um observador minucioso do ser humano. Poderia muito bem ter sido redigida ontem.
“Reparai nos jornais e nas revistas. Andam repleto de fotogravuras e de nomes — nomes e caras, muitos nomes e muitas caras! A geração faz por conta própria a sua antropométrica para o futuro. Mas o curioso é ver como a publicação desses nomes é pedida, é implorada nas salas das redações. Todos os pretextos são plausíveis, desde a festa que não se foi até a moléstia inconveniente de que se foi operada com feliz êxito a esposa. (…) Aparecer! Aparecer!” .
Sem delonga porque o truque ficou previsível. João do Rio, um dos melhores escribas que já pisou nessa terra varonil, foi o primeiro jornalista a adentrar nas favelas, nos terreiros de candomblé, nas rodas de samba e relatar o que estava acontecendo longe do olhar da zona sul. O trecho acima foi escrito em 1907. Se trocarmos as fotogravuras pelos posts ou pelos releases vazios que nos rondam, o sentido permanece. O querer aparecer não nasceu no digital. Desde sempre, há quem busque o pedestal a qualquer preço (metafórico e real).
Em um discurso de 1882, Mark Twain fez um aviso aos jovens. Disse ele com sua ironia pontiaguda: “Pois a história da nossa raça e a experiência de cada um estão cheias de provas de que é fácil matar uma verdade e que uma mentira bem contada é imortal.” Continuamos atuais nesse sentido. Embustes são proferidos publicamente, personagens são construídos em torno deles, máscaras caem nos bastidores, sem muito efeito.
Aos estudantes de olhares incertos naquele salão em Copacabana: essa angústia constantemente esteve aí, assim como a imobilidade para enfrentar o que vem à frente. O ser humano tem uma capacidade, que subestimamos, de repetir comportamentos e padrões. Mark Twain se irritava com o distanciamento das relações pós invenção do telefone, João do Rio falava sobre os esnobes, as dietas sem sentido, Tchekhov desnudava seus personagens de tal maneira que os reconhecemos como próximos. Por vezes, observamos o consumidor com tanto detalhe que esquecemos que eles são, veja você, pessoas. E para conhecer as pessoas, a leitura, a observação aguçada do outro continua sendo a maior das aulas.
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