O impacto do racismo virtual na vida real
Apesar de tratar-se de racismo virtual, isso vai muito além do ambiente digital, com consequências na vida real.
Apesar de tratar-se de racismo virtual, isso vai muito além do ambiente digital, com consequências na vida real.
Já senti e sinto manifestações racistas no meu cotidiano. Não tantas quanto a maioria das pessoas negras de classes menos privilegiadas relatam, provavelmente por vir de uma família onde a educação foi aliada incondicional para o meu desenvolvimento pessoal e profissional. Além disso, minha condição sócio econômica, em função da formação do meu pai, que foi um dos primeiros médicos negros a se formar no Brasil, me possibilitou transitar em ambientes e escolas numa época na qual pessoas negras, infelizmente, não faziam parte daquele ecossistema, quase 30 anos atrás. Sempre fui uma solitária na minha trajetória, ao contrário dos dias de hoje, quando já nos vemos representados em vários setores do ambiente corporativo. Contudo, ainda há surpresas negativas. A mais recente foi enfrentar o preconceito por parte dos robôs virtuais.
Fui convidada por um veículo de comunicação para gravar um vídeo indicando qual seria o meu livro de cabeceira atual e mencionei a obra de Djamila Ribeiro, Pequeno Manual Antirrascista. Trata-se de uma leitura fácil e necessária para ficarmos mais atentos às práticas racistas no nosso dia a dia que, às vezes, mesmo sendo eu uma negra, por vezes passam despercebidas. Comecei a recomendar o livro para os mais próximos de meu convívio social e profissional. Afinal, o chamado racismo estrutural pega a todos nós, indistintamente.
O publisher, no entanto, alertou para o fato de que o tema não passaria pelo crivo dos tais robôs virtuais e o vídeo teria alcance muito menor devido à temática. Como assim? Indignada por ser silenciada por um algoritmo, fui saber mais a respeito.
Apesar de tratar-se de racismo virtual, isso vai muito além do ambiente digital, com consequências na vida real. Afinal, por trás desses códigos e servidores existem pessoas racistas, que criam sistemas para inviabilizar a liberdade e diversidade pela qual lutamos há anos, propagando desigualdade e discriminação. Ademais, ocultamente, promovem a manutenção de “padrões” estéticos e sociais de forma sombria. Pesquisa realizada pelo coletivo Pretalab, em parceria com a consultoria ThoughtWorks, constatou que a tecnologia discriminatória é uma das principais causas desse tipo de racismo, pois a maioria dos profissionais do setor de TI são homens brancos, héteros e de classes sociais média ou alta.
Fica claro, portanto, que minha história não é um fato isolado. Poderia citar vários exemplos, entre eles o caso de uma pessoa negra reconhecida automaticamente por uma plataforma de fotos como um gorila, além de constatações em que mulheres negras têm alcance maior, em suas publicações, quando postam fotos com mulheres brancas.
É inacreditável que nos dias de hoje ainda tenhamos que presenciar esse tipo de preconceito, por conta de um robô programado para identificar negros de maneira tão pejorativa. Escreva agora mesmo “cabelo feio” no seu site de busca preferido e veja
quantas imagens de mulheres pretas aparecem. Os algoritmos são programados de acordo com o consumo das pessoas. Ou seja, o racismo estrutural não está apenas no mundo virtual, mas, certamente, está escondido atrás das telas. Você já parou para pensar nos termos que utiliza ao realizar suas buscas? O que é “cabelo bonito” ou “cabelo feio” para você?
Eu, mulher negra, advogada e jornalista por formação e empreendedora da comunicação e marketing por opção, tenho orgulho por ter conquistado espaço em meio a uma sociedade machista e racista. Mas quantas (e quantos) de nós têm conseguido vencer essa luta? Não vamos deixar que um robô virtual seja nosso limitador e, muito menos, nosso silenciador.
Fica aqui uma provocação para entendermos como podemos mudar essa prática. Vale expandir os esforços por mais abertura nos “jardins murados” do universo digital, também no que tange a transparência sobre os mecanismos por trás da programação dos algoritmos. Somente assim será possível buscar verdadeira transformação para uma sociedade que possui sua dinâmica no mundo real cada vez mais conectada às ferramentas digitais.
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