O jornalismo criativo de Cuba
Sem liberdade, a democracia desaparece. E será preciso encontrar mais janelas para se escapar das portas fechadas
Sem liberdade, a democracia desaparece. E será preciso encontrar mais janelas para se escapar das portas fechadas
(Crédito: Derek Brumby/iStock)
Liberdade de imprensa não é bem a expressão mais correta para se definir a situação de hoje em regimes autoritários. Segundo o Repórteres Sem Fronteiras (RSF), a Coreia do Norte é onde há a menor liberdade de imprensa no mundo, seguida de Eritrea, Turcomenistão, Síria e China. Na América Latina, sempre segundo o RSF, Cuba é onde menos se pratica a liberdade de imprensa.
Na ilha do Caribe, a voz dissonante mais conhecida do planeta é Yoani Sánchez, jornalista autora do blog Generación Y, que, desde 2014, mantém a publicação 14ymedio. Yoani não compartilha dos mesmos princípios do governo cubano e por isso sofre perseguições sistemáticas. Não consegue por exemplo, imprimir seu produto, já que a rotativa do país está nas mãos do governo e do jornal Granma, meio oficial do Partido Comunista Cubano.
Mas Yoani é criativa. Aliás, semana passada ela definiu criatividade: Criatividade é a capacidade que se tem de abrir uma janela quando a porta está fechada. Yoani vem abrindo janelas em sequência. Por exemplo, como fazer com que o 14ymedio tenha leitura, quando a internet de Cuba bloqueia a URL do site e impede que se faça uma pesquisa via Google ou qualquer motor de busca de encontrar seu nome? Sem acesso via web, e sem papel, como divulgar suas ideias?
É aí que apareceu o “paquete”. O “pacote”, em tradução livre, é um pen drive, uma memória USB simples. Só que alguns “distribuidores de conteúdo”, que conseguem captar sinais de televisão e de sites em Cuba, gravam séries, telejornais e outras atrações no pen drive. E alugam a memória por algo como US$ 2 por semana (R$ 7,50). Quase de contrabando”, Yoani coloca o 14ymedio em PDF entre as atrações do pacote. E assim faz o trabalho de sua redação de 11 pessoas circular.
A diferença entre o material editado por Yoani Sánchez e a grande maioria dos jornais da América Latina é sua relevância. Não por estar certa ou errada, mas por conseguir questionar a informação oficial. Cuba precisa conhecer as ideias dissonantes do 14ymedio, enquanto os impressos no Brasil e demais países do bloco estão a cada dia mais irrelevantes. Criativa é a maneira de fazer circular.
A mídia brasileira parece tão surpreendida com a inabilidade do governo federal que se mexe com dificuldades. Pior, a cada denúncia — por mais leve que seja — vira vítima de uma estratégia armada de acusações por todos os lados. O presidente escolhe a dedo os aliados para quem dar entrevistas. E acusa quem é contra seu governo de trabalhar “contra o Brasil”. Uma forma infantil e barata de responder.
No ranking mundial de liberdade de imprensa do RSF, o Brasil ocupa a posição 102 entre 180 países, atrás de Moçambique (99), Tunísia (97), Nicarágua (90) e Togo (86), entre tantos. Sem liberdade, a democracia desaparece. E será preciso encontrar mais janelas para se escapar das portas fechadas.
*Crédito da imagem no topo: Rawpixel.com/Pexels
Compartilhe
Veja também
E se o Cannes Lions premiasse as melhores parcerias do ano?
Num mundo em que a criatividade virou moeda valiosa, colaborações bem construídas se tornaram a força motriz da inovação
Os cases gringos mais memoráveis de Cannes 2025
Iniciativas como The Final Copy of Ilon Specht, vencedor do Grand Prix de film, são exemplos de consistência das marcas e reconhecimento a quem faz parte da história delas