O lifelong learning é também um longlife losing
O acúmulo desenfreado de informações para garantir a sobrevivência individual no mercado de trabalho ocorre em detrimento de saberes para benefício da vida em sociedade como um todo
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Me preocupa o quanto essa obsessão por acúmulo de informação pasteurizada sobre um futuro que ainda não existe, vomitado por inúmeros relatórios de tendências e gurus da internet, está não somente criando uma geração de profissionais destituídos de senso crítico, como também está adoecendo geral com essa glamourização do FOMO (fear of missing out) desnecessário.
Quando fui ao WebSummit reencontrei uma amiga e confidente que me acompanha desde o início da minha carreira. Nos conhecemos quando trabalhamos na mesma agência há 15 anos. Hoje, temos nossos respectivos negócios e sempre compartilhamos frustrações, vitórias, ambições, memórias e os desafios nas relações profissionais. Perguntei a ela sobre a excelência nas relações da equipe da nossa antiga agência, composta por talentos acima da média, com remuneração abaixo da média e sem uma liderança oficial.
Sua hipótese: “Ali todos sabiam do nível da qualidade do trabalho e todos reconheciam os respectivos superpoderes, sobre quando e como usá-los.”
Todos colaboravam com suas distintas referências pessoais e profissionais. O que fazíamos na vida pessoal se manifestava no trabalho. Vexilologista, geólogo, professor universitário, ativista, piloto de avião, músico, blogueira, escrito. A admiração e interesse mútuos enriqueciam os repertórios de cada um e isso potencializava nossos trabalhos e nossas próprias vidas.
Hoje, a partir do que vejo no Linkedin, parece não haver mais espaço para superpoderes distintos, mas uma obsessão pela acumulação de conhecimento sobre o mesmo assunto pautado a cada SXSW. Não há a valorização de pensamentos e abordagens originais que se relacionam com a sociedade e sua cultura. Há somente o incentivo do engajamento algorítmico na construção de autoridade individual baseada no acúmulo e reprodução de referências externas (quase sempre de autoria de pensadores gringos) sobre um mesmo tema focados em carreira profissional em grandes companhias, com a sociedade e a própria democracia sendo ignorados.
Se o relatório de tendências é o crack da nossa geração, o lifelong learning é o nosso fast food. O acúmulo desenfreado de informações para garantir a sobrevivência individual no mercado de trabalho em detrimento de saberes para benefício da vida em sociedade.
A celebração dessas tendências superestimadas (inteligência artificial, realidade aumentada, metaverso) estabelece extremos especulativos de deslumbre e vislumbre, “vai mudar tudo” para o “o que vai mudar”, mas nunca olha para o real, para o presente, onde a cultura se transforma através das relações. O presente é condenado às catástrofes: Os trabalhos atuais vão acabar. Pessoas vão perder seus empregos. A visão das empresas em detrimento da visão da sociedade. Afinal, pelas lentes da Apple não há milhões de pessoas passando fome.
No presente, as pressões por resultados crescentes com prazos e verbas minguantes tomam de assalto horas não contratadas e trabalho emocional não remunerado. Demissões em massa vêm se provando uma estratégia eficaz para reforçar o medo, o individualismo e o enfraquecimento das pautas de equidade de gênero e raça. Família, amigos, e bem-estar se tornaram incompatíveis com a nova realidade artificial aumentada.
O mercado que pediu seis meses de pausa para o melhor desenvolvimento da inteligência artificial é o mesmo que não se constrange em negar o direito de famílias em formação de terem seis meses de desenvolvimento dedicado.
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