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Opinião

O robô da mídia não entendeu o briefing do robô do atendimento

Trabalhadores com alto grau da capacitação e conhecimento têm maiores chances de se beneficiar da inteligência artificial para se tornarem mais eficientes, enquanto os trabalhadores em tarefas manuais não rotineiras (como o cuidado de crianças e idosos) estão relativamente imunes


22 de novembro de 2017 - 17h24

Por força da minha ocupação atual, entrevisto dezenas de executivos de diversos setores da economia. Um tema de preocupação comum e crescente é o impacto da automação sobre empregos e mercados. Os principais trabalhos sobre o assunto são um relatório da Universidade de Oxford, que menciona que até 47% das ocupações nos EUA estariam sob alto risco de serem automatizadas, outro da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que utiliza uma metodologia diferente e estima este valor entre 6% e 14% conforme o país (economias avançadas), um da ONU, que chega em número semelhantes aos anteriores, e, por fim, um da McKinsey, único que menciona especificamente o Brasil com um potencial de 50% dos empregos em risco, o que levando em conta a metodologia dos outros trabalhos me pareceu um pouco exagerado, mas mesmo que seja metade disso já é um estrago enorme.

Vou poupar meus escassos leitores da discussão metodológica (basicamente, se as premissas são automação de profissões por inteiro ou de tarefas dentro de cada profissão e levando em conta a estrutura produtiva de cada país). O fato é que todos os estudos apontam para as mesmas consequências: trabalhadores com alto grau da capacitação e conhecimento têm maiores chances de se beneficiar da inteligência artificial para se tornarem mais eficientes, enquanto os trabalhadores em tarefas manuais não rotineiras (como o cuidado de crianças e idosos) estão relativamente imunes. A coisa pega mesmo para os trabalhadores no meio destes dois grupos, ou seja, com grau de educação intermediário e em tarefas rotineiras — em outras palavras, as ocupações de classe média, que formam o pilar do consumo na maior parte dos países.

Uma observação pessoal quanto à correlação entre nível educacional e chance do seu emprego desaparecer: em meados dos anos 1990, tive oportunidade de visitar o trading floor da Goldman Sachs em Nova York. Eram centenas de operadores, a maior parte deles com MBA ou especialização. Hoje, de acordo com a MIT Technology Review, restam dois.

Particularmente no caso das tecnologias digitais, verificamos uma concentração de renda e produtividade. O lucro por funcionário da Foxconn, empresa que fabrica todo o hardware da Apple, é de U$ 2.730. O lucro por funcionário da Apple é de U$ 393 mil (sim, você leu certo: a empresa da maçã lucra por funcionário 145 vezes mais que sua fornecedora). A questão é que a Foxconn emprega pouco mais de 1,2 milhão de pessoas, contra 123 mil da Apple. Em outra coluna já tive oportunidade de comparar a receita por funcionário das holdings de publicidade contra Google e Facebook, e o resultado é igualmente devastador. Em alguns setores, como o varejo, o potencial de automação é de 55% dos empregos, em finanças 45% e no setor de serviços profissionais, científicos e técnicos (onde estão as agências de publicidade), 47%.

Sei que algumas pessoas mencionam as coisas maravilhosas que a Inteligência Artificial vai proporcionar, como os robozinhos dançantes em palestras sobre o mercado de trabalho, uma vida longa com boa saúde até bem perto do seu final e o deslocamento em carros autônomos (ou até voadores…). No longo prazo, elas estão corretas. Desde a primeira Revolução Industrial, ao final de cada período, se consolidou um padrão de vida melhor que o anterior. Entretanto, quando analisamos de forma detalhada, verificamos que o período que antecedeu esta consolidação foi marcado por crises econômicas e sociais profundas. E se você tem entre 20 e 60 anos, me parece que parte importante da sua vida vai acontecer nesta fase de transformação.

É óbvio que o impacto sobre os mercados de consumo será enorme. A questão é como as empresas poderão aproveitar as oportunidades que vão surgir. Se olharmos para regiões onde este fenômeno da difusão da tecnologia está mais avançado, veremos que as maiores chances de crescimento estão no mercado de alto luxo “sensorial”, onde reina o chamado “marketing de experiência” e o atendimento é personalizado (não por meio de uma máquina, mas de outro ser humano) e nos mercados de personalização massificada (alto grau de automação e baixo custo).

O esforço de adaptação para estes dois extremos exige repensar radicalmente alguns processos de comunicação. Por exemplo, se seu foco é o mercado de experiência de luxo, talvez tão importante quanto investir em tecnologias de dados é trabalhar a formação do capital humano. Já na outra ponta (personalização massificada), vamos precisar colocar mais e mais engenheiros de TI trabalhando ao lado de atendimento ao cliente, planejamento de campanha, etc. Nesta área, um problema que vai acontecer em breve é como fazer o marketing “machine to machine”, uma vez que seus eletrodomésticos vão se comunicar com uma vasta rede de fornecedores para facilitar sua manutenção (carros, por exemplo) ou abastecimento (geladeiras).

Não sei como será este “novo” marketing. O que sei é que as práticas que nos trouxeram até aqui não serão suficientes para nos “transportar” para este futuro melhor que virá, quando acabar esta crise que está só começando.

 

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