Os melhores dos melhores
Somos um país jovem, criativo, audacioso e aberto para as demais culturas, o que faz com que nossa elite intelectual esteja sempre conectada
Somos um país jovem, criativo, audacioso e aberto para as demais culturas, o que faz com que nossa elite intelectual esteja sempre conectada
Neste texto, eu pretendo fazer algumas reflexões sobre o Brasil a partir da já célebre cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Só que eu não poderia escrever a próxima palavra sobre o assunto sem esclarecer que sou irmão do Léo Caetano, diretor de cerimônias da Rio 2016 e responsável máximo por todos os seus eventos — das festas de abertura e encerramento aos live sites, do tour da tocha às recepções diplomáticas e premiações.
Embora seja suspeito para comentar o trabalho desenvolvido pelo mano caçula, acredito que a celebração da festa nas redes sociais, além da calorosa aprovação da insuspeita mídia internacional permitem-me concluir que a cerimônia foi mesmo extraordinária. Desde a grandiosa abertura de Londres 2012 que eu vinha ouvindo comentários preocupados sobre a nossa capacidade de colocar de pé um evento capaz de nos encher de orgulho. Eu poderia ter respondido a esses comentários com picardia, garantindo que com o Léo no comando não havia razão para nos preocuparmos. No entanto, por uma questão de modéstia familiar, optei por uma explicação mais longa, que detalho a seguir.
A minha tranquilidade quanto ao sucesso da cerimônia de abertura estava baseada numa ferrenha convicção: os melhores dos melhores talentos do Brasil estão entre os melhores dos melhores do mundo, sendo que alguns deles chegam a ser melhores do que os melhores do mundo.
Somos um país jovem, criativo, audacioso e aberto para as demais culturas, o que faz com que nossa elite intelectual esteja sempre conectada com o que há de mais avançado.
Tudo isso, combinado com aquilo que Oswald de Andrade batizou de antropofagia — nossa habilidade de misturar e reprocessar influências externas e tradições internas para criar algo novo e surpreendente — faz com que, ao menos quando estamos falando da nata dos profissionais, o Brasil seja capaz de brilhar e deixar sua marca em tudo o que se propõe a fazer.
Isso significa que o melhor matemático do Brasil tem boa chance de ser melhor do que o melhor matemático da Dinamarca, ou que o maior especialista nacional em genética é capaz de superar seu colega alemão, ou que o craque em nanotecnologia das nossas terras não fica devendo nada ao papa do assunto no Japão — e assim por diante. Escolham o tema: publicidade, robótica, medicina, logística, gestão de empresas, psicologia, desenvolvimento de games, design gráfico…
Em quase todos os campos do conhecimento será possível apontar um punhado de brasileiros com enorme qualificação e reconhecimento internacional. É por isso que quando meu irmão revelou que teria autonomia para contratar os maiores talentos artísticos do país para a cerimônia de abertura, eu tive certeza de que o jogo já estava ganho.
Fernando Meirelles é um diretor indicado ao Oscar e, para mim, até mais talentoso do que Danny Boyle, que comandou a festa de Londres. Andrucha Waddington também conhece tudo sobre direção e agregou a ginga carioca ao núcleo criativo do evento. Daniela Thomas possui uma visão artística que só quem tem alma de teatro é capaz de ostentar. Deborah Colker é uma das maiores coreógrafas do mundo e já concebeu nada mais nada menos do que um espetáculo do Cirque du Soleil. E Abel Gomes é, há décadas, o grande cenógrafo da Rede Globo e dos grandes eventos do País. Como um evento com tanto talento reunido poderia dar errado? Não deu, claro.
Esse é um lado da moeda. Um lado brilhante e que nos favorece. No entanto, para o mal ou para o bem, as moedas teimam em ter dois lados. E essa convicção que tenho sobre os melhores dos melhores do Brasil brigarem de igual para igual com os melhores dos melhores do mundo cai totalmente por terra quando mudamos o foco para os que não estão no topo da pirâmide. Nossa turma do meio da fila e nossa camada menos preparada estão muito, mas muito abaixo da média dos países mais avançados. De forma que se o nosso melhor matemático é provavelmente melhor do que o melhor matemático da Noruega, a média dos nossos matemáticos é alarmantemente menos qualificada do que a média dos matemáticos noruegueses. O mesmo se aplica às demais áreas — e quanto menor for o nível de complexidade da profissão, maior será o nosso gap em relação aos mercados mais avançados.
Um caixa de supermercado na Escandinávia certamente frequentou melhores escolas, ficou mais tempo na escola, recebeu melhor atendimento médico (sem ter de pagar uma fortuna por um plano de saúde), teve melhor formação de cidadania e, muito possivelmente, fala dois idiomas.
E esse é o nosso maior desafio: porque o grande segmento da população, formado por aqueles que não estão no topo de suas respectivas áreas, é que dá cara a um país.
É bom ter o melhor matemático do mundo, mas o melhor país do mundo em matemática não é aquele que possui o melhor matemático e sim o que tem mais e melhores matemáticos, na média. É exatamente por isso que Messi ainda não conseguiu ganhar títulos com a seleção principal da Argentina. Ele pode ser o melhor do mundo, mas se na média o elenco alemão for superior, as vitórias tenderão a ficar com os atuais campeões mundiais.
O raciocínio sobre os matemáticos se aplica perfeitamente aos Jogos Olímpicos. O Brasil sempre foi capaz de revelar alguns “melhores dos melhores” em determinadas modalidades esportivas: Adhemar Ferreira da Silva no salto triplo, Joaquim Cruz nos 800 metros, Guga no tênis, Zanetti nas argolas, entre outros. Só que esses são os tais melhores dos melhores. Quando passamos a pensar na média dos esportistas do País, estamos muito longe das grandes potências — e se fizermos uma relação entre medalhas e tamanho de população o quadro ficaria ainda mais embaraçoso. Por esse critério, seríamos superados até pela Argentina, que está longe de ser uma força olímpica.
Nossos atletas de ponta quase sempre são gerados por histórias individuais de superação, quando o ideal é que fossem produtos de uma estratégia vencedora de produção de craques em série. Não por outra razão, a University of Southern California tem mais medalhas olímpicas do que o nosso país. Porque eles têm um programa de formação contínua de talentos, enquanto nós apenas rezamos para que um dia um garoto de Florianópolis encasquete que vai ser o melhor do mundo no tênis ou uma moça da Cidade de Deus decida ser campeã olímpica de judô contra tudo e contra todos.
O legado da confiança
Enquanto não passarmos a cuidar dos médios dos médios com o mesmo entusiasmo que celebramos os nossos melhores dos melhores, jamais seremos uma grande nação. Porque não basta sermos o país do tênis quando Guga está no auge — apenas para voltarmos à indigência quando o ídolo se aposenta. Precisamos urgentemente entender que o Brasil não precisa, como fim, gerar um novo Guga. Ele precisa é de programas capazes de gerar milhares de projetos de Guga. O resto será consequência. E, claro, o que vale para o esporte vale para toda e qualquer profissão.
Compartilhe
Veja também
Quando a publicidade vai parar de usar o regionalismo como cota?
Não é só colocar um chimarrão na mão e um chapéu de couro na cabeça para fazer regionalismo
Marketing de influência: estratégia nacional, conexão local
Tamanho do Brasil e diversidade de costumes, que poucos países têm, impõe às empresas com presença nacional o desafio constante de expandir seu alcance sem perder de vista a conexão com as comunidades