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Opinião

Ousadia ou salto (precipitado) no escuro?

Uma análise sobre os 4Vs nos quais o CEO da Unilever está apostando em sua comunicação


5 de maio de 2025 - 6h00

Há uma nova sigla de marketing no mercado. Já ouvimos falar dos 4Ps e dos 7Ps, e dos 3Cs, 4Cs e 5Cs. Bem, agora temos os 4Vs.

Isso segundo o novo CEO da Unilever, Fernando Fernandez, que está redobrando seus esforços para aumentar a confiança nas marcas da gigante de bens de consumo, aumentando seu foco no marketing de influência.

Os 4Vs significam volume, viralidade, variedade e velocidade. Em outras palavras, mais conteúdo de mais criadores, distribuído em ritmo acelerado na esperança de ser compartilhado em larga escala.

Metade do seu orçamento de marketing agora será investido em atividades de influência. Porque, como o CEO afirmou no mês passado, os consumidores são inerentemente “desconfiados” de marcas, e a melhor maneira de combater isso é fazer com que “outros” falem em seu nome.

Em seu discurso durante a divulgação dos resultados do primeiro trimestre da Unilever, Fernandez afirmou que uma de suas prioridades como CEO é “a criação de uma máquina de geração de demanda, tanto em marketing quanto em vendas e que criar sistemas de atividades de marketing nos quais outros possam falar pela sua marca em larga escala é muito importante” Continuou com “existem 19 mil CEPs na Índia, existem 5.764 municípios no Brasil. Quero um influenciador em cada um deles. Em alguns deles, quero cem, mas pelo menos quero um em cada um deles”.

A Pesquisa de Gastos de CMOs da Gartner em 2024 descobriu que cerca de 6% dos orçamentos são destinados ao marketing de influência (embora o total para todas as atividades sociais seja bem maior). Portanto, em vez de esperar que os grandes concorrentes da Unilever entrem imediatamente na onda, sejamos serenos, os orçamentos variam e até mudam as mentalidades, mas sabemos em tempo real quando uma campanha está funcionando ou não na maioria dos segmentos econômicos. Isso, sim, que determina o tamanho da participação das alavancas de marketing e não mera decisão vertical de cima para baixo.

Mas há, ainda, outras teorias conspiratórias sobre o bastidor dessa hiperbólica iniciativa. A mais recorrente, atesta que a Unilever está encarando isso como um passo em direção ao uso do TikTok como plataforma transacional. Para isso, seria preciso ter muito conteúdo e muitos relacionamentos para começar a vender produtos em alto volume. Nessa ordem, a decisão do alto montante de investimento decorre da necessidade de construir uma curva de aprendizado observando quais influenciadores têm bom desempenho, para que, quando se dedicarem ao comércio social, tenham um banco de dados com um bom desempenho prévio.

É claro que muitas marcas já estão trilhando esse caminho que prioriza as mídias sociais: a revolução do marketing nos proporcionou uma série de histórias de sucesso em que os gastos com mídias sociais e influenciadores representam muito mais de 50% do orçamento. Ainda assim, esta é uma mudança ideológica notável para a Unilever.

Como a equipe de marketing da Unilever se sente em relação a anos de construção de marca sendo efetivamente descartados e o foco sendo transferido para um canal supostamente menos confiável é uma incógnita.

É claro que a empresa precisa fazer algo novo para impulsionar o crescimento, mas investir uma proporção tão grande de seu orçamento de marketing em influência não parece ser uma solução trivial, mesmo com uma nova sigla estilosa para suportar a decisão.

Isso porque ainda que o mercado já exista há algum tempo segue imaturo em termos de mensuração. O conteúdo produzido pelos criadores funciona para as marcas em curto e longo prazos? Ele impulsiona as vendas e o impacto da marca? Em qual proporção? Quem controla o briefing, o uso dos ativos da marca e as proteções em torno do conteúdo, em escala? Isso exigirá ampla gestão e expertise.

O maior risco dessa combinação de escala de um player global no impulso social é a “fadiga social”. Os influenciadores estão sendo reconhecidos por sua capacidade de criar conexões autênticas com os consumidores e de fazer com que essas conexões funcionem para parceiros comerciais. Mas se abrirmos as torneiras para um ambiente social mais saturado, essa autenticidade tão valorizada pode estar em risco. O ponto de inflexão da credibilidade dos influenciadores digitais ocorre quando a audiência começa a desconfiar da legitimidade e da transparência das suas ações, especialmente em relação a publicidades e patrocínios. Segundo notícia do jornal Valor, publicada mês passado, de um ranking com 16 opções de fontes de notícias, influenciadores digitais figuram na última posição, perdendo até para conteúdo patrocinado por marcas. Até pouco tempo atrás (2020, sendo exato) esse ranking já foi diferente, quando as pessoas confiavam mais em influencers do que em marcas.

Minha amiga Bia Granja em post recente comentou de forma muito inteligente sobre o que teria acontecido na dita pesquisa – mencionando com razão ser “meio paradoxal que a gente consuma tanto algo em que a gente não confie?”

Eu continuo sem resposta para compreender o quanto esse movimento vai ser positivo para o mercado de influência ou nocivo para o crescimento sustentável que ele merece. Talvez seja meu complexo de vira-lata de uma história na qual temos mais exemplos de colônia de exploração que de povoamento.

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