Opinião

Método é o novo catalisador da criatividade em tempos de IA

Com a facilidade de gerar ideias via prompt, o valor passa a estar na intenção por trás da proposta

Roberto Ribas

Chief Strategy Officer da Brivia 7 de agosto de 2025 - 14h00

Tradicionalmente, encaramos a criatividade como um domínio subjetivo, moldado pela intuição, repertório, emoção e talento — avesso a fórmulas e processos.

Áreas como publicidade, design e inovação evoluíram apoiadas na premissa de que a originalidade da ideia é tão importante quanto a própria pertinência da mensagem ou o resultado a ser perseguido. A criação, partindo desse princípio, é frequentemente associada a um fenômeno inerentemente humano, essencialmente artístico, e, portanto, imprevisível.

Surge, então, a inteligência artificial (IA) generativa. Ferramentas como ChatGPT e Midjourney, entre outras inúmeras, com fluidez e velocidade supersônica, começam a gerar textos, imagens e conceitos que antes levariam horas de esforço humano. A lógica subjacente à criação é profundamente tensionada.

Para os mais céticos e românticos, uma verdadeira afronta à criatividade. Afinal, como algoritmos matemáticos baseados em mera estatística poderiam apresentar ideias genuínas? Proponho, contudo, outra perspectiva: a de que a IA exige apenas que a criatividade se organize.

A criatividade continua sendo um atributo essencialmente humano e uma de nossas competências essenciais, que diferenciam o extraordinário da mesmice. Porém, sua prática deve ser, agora, meticulosamente mapeada e documentada. Isso significa estruturar referências, sistematizar critérios e explicitar intenções.

A IA, assim, leva os criadores a verbalizarem o que antes era tácito. Ela exige clareza onde havia improviso, dados no lugar de acervo mental e método em substituição ao fluxo intuitivo. Em suma: demanda um modelo de trabalho organizado, com objetivos claros, etapas definidas e entregáveis precisos.

A subjetividade, longe de ser eliminada por essa transformação, é reposicionada como um diferencial.

Em um cenário onde qualquer um pode gerar um conceito a partir de um prompt, o valor passa a estar menos na primeira ideia e mais na intenção por trás dela, no julgamento sobre o que vale a pena ser explorado, na sensibilidade para perceber o que ressoa e se diferencia e no entendimento do que tem potencial de encantar e se desenvolver culturalmente.

A inteligência artificial, ao mesmo tempo em que expande a capacidade, não substitui a habilidade de percepção, pelo menos por enquanto.

Nesse sentido, o que fica evidente é a necessidade de desenvolver métodos claros e orientados à expansão do potencial criativo. Não é possível negligenciar a capacidade da IA em transformar a criatividade, por isso, precisamos nos preparar para aplicá-la de forma consciente. Isso vai exigir pelo menos três movimentos estruturantes e transformadores:

1. O primeiro é a organização de dados e referências criativas. Não se trata de planilhas frias, mas de repertório estruturado: campanhas anteriores, territórios simbólicos, atributos de marca, tom de voz, tensões culturais, padrões de aplicação. A IA só gera valor quando alimentada com conteúdo que tenha significado. Improvisar sem referências se torna genérico e, portanto, irrelevante.

2. O segundo é a criação de frameworks, transformando rituais criativos em playbooks. Isso significa mapear etapas, desenhar fluxos, definir critérios, estabelecer responsáveis. Prompts eficazes não nascem da sorte — nascem de método. Criar com IA demanda clareza sobre o que se espera, como se avalia e o que se está tentando resolver. Essa lógica não empobrece a criatividade. Ela a sustenta.

3. Por fim, é necessário desenvolver uma curadoria consciente e iteração contínua. A IA entrega volume, não decisão e percepção. Cabe ao humano interpretar, editar, recombinar. E isso exige escuta, sensibilidade e capacidade de provocar sentido. A criatividade, agora, é também ato de leitura, troca e aprendizado consciente.

A inteligência artificial (IA) está provocando uma revolução que é fundamentalmente cultural, não apenas técnica. Ela não só impacta o processo criativo, mas redefine o próprio criador, subvertendo seus dogmas e paradigmas estabelecidos. A criatividade, antes vista como inspiração, migra para o domínio da construção.

O cerne da questão não é o fim da emoção ou da originalidade, mas a oportunidade de expandi-las. Isso exige que sejamos capazes de conceber ambientes, métodos e sistemas que permitam um diálogo entre a criatividade humana e a lógica escalável da máquina.

Assim, a inteligência artificial não conflita com a criatividade humana. Ela apenas redefine seus fundamentos operacionais. O que antes dependia do lampejo agora depende de intenção bem articulada. O que antes nascia no caos precisa, hoje, dialogar com lógica. E o método é o que nos permite fazer essa ponte, sem perder o que há de mais humano na criação.

A boa notícia é que isso não empobrece a criatividade. Pelo contrário: a liberta da mística paralisante do “talento nato” e da imprevisibilidade do acaso. O método democratiza, distribui e amplia a potência criativa de equipes inteiras. Ele alimenta a IA e a transforma em principal aliada, desde que saibamos como conduzi-la.

Criar, daqui em diante, será para quem domina não apenas a inspiração, mas o processo. E nesse processo, o método deixa de ser uma estrutura auxiliar. Passa a ser o motor silencioso da nova criatividade.