Opinião

O básico revisitado

Os criadores de conteúdo finalmente encontraram seu lugar no marketing — e não é onde a maioria pensa

Rapha Avellar

Fundador e CEO da Brandlovers AI 8 de outubro de 2025 - 15h54

Durante anos, o mercado tratou os criadores de conteúdo como ferramentas táticas — boas para gerar engajamento e algumas vendas rápidas. Mas a nova pesquisa apresentada por Jane Christian, da WPP, no IPA Effectiveness Conference 2025, mostra que talvez tenhamos subestimado completamente o papel deles. Pela primeira vez, há evidências econométricas robustas de que os creators são o primeiro canal digital realmente eficaz na construção de marca, com retornos de longo prazo superiores a qualquer outro meio, inclusive à televisão. É uma virada de chave na forma como entendemos o marketing moderno.

A análise da IPA combinou 220 estudos econométricos com base em aproximadamente R$ 1 bilhão investidos em creators, cobrindo 28 mercados, 36 categorias e 144 marcas. O resultado é contundente: no curto prazo, os criadores geram ROI semelhante ao da TV e superior ao das campanhas de social pago. No longo prazo, o efeito é ainda maior: eles apresentam o maior ROI total entre todos os canais de mídia analisados. Em termos simples, os creators não apenas vendem, eles constroem marcas. E o fazem com uma profundidade emocional que nenhum outro formato digital foi capaz de alcançar.

Nos últimos anos, o marketing digital se perdeu na lógica do “clique agora, pensa depois”. Indicadores de curtida, CTR e CAC passaram a dominar o debate, transformando métricas de performance em métricas de sucesso. Só que o valor de marca — o verdadeiro ativo que sustenta empresas por décadas — se constrói no tempo, não no clique. O erro estrutural foi tratar criadores como vendedores, quando na prática eles são o novo formato de mídia da era digital, capaz de gerar afinidade, repetição e memória.

Parte da culpa por essa desconexão vem do fato de que, até hoje, os creators ainda não estão dentro da mídia — nem na cabeça das marcas, nem nas estruturas das agências, nem nos modelos de compra e mensuração. Foram empurrados para o “marketing de influência”, um território que, nos últimos anos, passou a ser operado por empresas ou estruturas completamente separadas do restante do ecossistema criativo e de mídia. Essa fragmentação criou dois mundos que raramente se conversam: o da mídia tradicional, orientada por dados, estratégia e consistência criativa, e o da influência, guiado por intuição, relacionamento e execução isolada. O resultado é um abismo entre o discurso da marca e a conversa que acontece nas redes.

Essa separação não faz sentido. A influência precisa voltar para o centro do processo, e isso significa voltar para dentro das agências — onde criatividade, mídia e estratégia trabalham de forma integrada. É nesse ambiente que a influência deixa de ser tática e passa a ser estratégica, deixando de operar em silos e voltando a cumprir o papel que a econometria acaba de comprovar: ser o canal digital mais eficaz na construção de marca. Enquanto essa reintegração não acontecer, as marcas continuarão subaproveitando o potencial real dos creators.

Segundo o estudo, 85% dos investimentos com creators ainda têm objetivos de performance, mas os maiores retornos acumulados vêm das campanhas orientadas à construção de marca. E essa não é uma evidência isolada. Pesquisas da System1 e da Effie Worldwide, que analisaram mais de R$ 750 bilhões em campanhas, chegaram à mesma conclusão: o conteúdo criado por creators é o ponto de contato mais eficaz para gerar efeitos de marca duradouros. Campanhas com creators apresentam, em média, 28% mais lembrança de marca do que vídeos digitais e 47% mais do que anúncios display.

Mesmo assim, muitas campanhas falham. Não porque o canal não funcione, mas porque é usado de forma errada. Em vez de integrar creators à estratégia criativa e de mídia, as marcas terceirizam toda a responsabilidade a eles, resultando em conteúdos genéricos, sem coerência e com pouco valor de marca. Criadores não são estrategistas — são excelentes executores criativos dentro de uma visão clara. Cabe às marcas definir o conceito, o território emocional e o papel de cada mensagem, e permitir que o creator traduza essa estratégia em sua própria linguagem.

Outro ponto essencial é a qualidade criativa. Estudos da System1 com o TikTok mostram que campanhas com conteúdo emocionalmente distinto — que despertam empatia, humor ou surpresa — geram até três vezes mais efeito de marca duradouro do que as versões adaptadas de comerciais de TV.

Por muito tempo, o marketing de influência foi visto como tático, porque faltavam dados que comprovassem sua eficácia. Agora, essa desculpa acabou. Com as evidências econométricas da IPA e da WPP, a influência passa a ocupar o centro da estratégia de marca. Quem continuar tratando creators como “posts avulsos” estará desperdiçando o canal mais eficiente da era digital.

Essa mudança exige um novo modo de operar. O briefing precisa mudar — de “um vídeo para divulgar o produto” para “como traduzir o território da marca na linguagem do creator”. As métricas também mudam: views, apesar de importantes para medir eficiência, não bastam. É hora de medir lembrança, associação e predisposição à compra. Assim como a TV é planejada com consistência criativa, as campanhas com creators precisam do mesmo rigor. E a tecnologia entra como aliada nesse processo, o desafio não é encontrar creators, mas gerenciar escala, qualidade e brand safety, e AI terá um papel central nisso.

Os creators são, para os anos 2020, o que a TV foi para os anos 1980: o meio mais poderoso de construção de marca da sua era. A diferença é que agora esse poder é descentralizado, humano e movido por dados. As marcas que entenderem isso primeiro vão liderar a próxima década. O marketing reencontrou seu propósito: construir marcas que as pessoas amam. E, ironicamente, quem está nos lembrando disso não são as plataformas, nem as equipes de marketing — são os criadores.