Opinião

A nova dinâmica do ecossistema de produção criativa

Painel do Ciclope Berlin 2025 discute impacto das produtoras in-house e o futuro do craft criativo

Renata Munaretto

Chief production officer (CPO) da Landscape 9 de outubro de 2025 - 15h45

O Ciclope Berlin 2025 trouxe um debate franco sobre um dos temas mais sensíveis — e transformadores — do mercado publicitário global: as produtoras in-house e seu impacto no mercado audiovisual.

Steve Davies (APA), Florence Jacob (Caviar Paris), Matt Miller (AICP) e Clarisse Lacarrau (Fix The Future), com moderação de Jillian Gibbs (APR), falaram sem véus durante o painel “Preserving Competition: Brands & Independents Forging Direct Relations”.

O tom foi de alerta e provocação: o futuro do craft e da criatividade passa sobre repensar o modelo de colaboração e de valor entre os todos os atores do ecossistema.

A expansão das agências in-house de grandes marcas tem reconfigurado a cadeia de produção criativa. Funções antes desempenhadas por agências externas — da estratégia à criação — estão cada vez mais dentro das empresas.

Esse movimento reduz a demanda por agências tradicionais e cria um novo cenário competitivo para produtoras e talentos independentes.

Fica explícito que não podemos competir em preço ou na promessa de agilidade. O que nos torna relevantes é aquilo que não pode ser replicado internamente: o craft, o olhar autoral, a entrega sob medida.

Ou seja, para as produtoras, a consequência é clara: ser genérico não é mais uma opção. É preciso oferecer diferenciação tangível — seja na excelência criativa, na visão cultural ou na capacidade de execução — para justificar seu valor frente a estruturas in-house.

Humildade, colaboração e menos ego. O debate expôs uma mudança de postura necessária. Se antes as produtoras competiam ferozmente entre si e, muitas vezes, mantinham distância dos anunciantes, hoje a lógica é outra: visibilidade e colaboração direta são vitais.

É preciso reconhecer que a relação direta com as marcas não é apenas uma oportunidade comercial, mas um convite à cocriação.

Marcas e produtoras precisam aprender a trabalhar lado a lado — muitas vezes, complementando as estruturas in-house e colaborando com agências externas — em vez de disputar protagonismo.

Um dos pontos centrais do painel foi a importância de preservar a diversidade do ecossistema criativo.

A concentração de produção em poucos fornecedores, ou exclusivamente nas in-house, limita a pluralidade de vozes, reduz a inovação e fragiliza a competição saudável.

Para evitar que isso acabe com o mercado, é preciso garantir acesso e visibilidade para produtoras independentes, estimulando um mercado onde a concorrência seja baseada em qualidade e proposta de valor, e não apenas em custo. A concorrência saudável é um elemento fundamental.

Outro fator decisivo, é a educação do cliente. Grande parte do papel das produtoras está em ensinar anunciantes a reconhecer o que é um “bom trabalho” em produção, a entender que craft e storytelling de alto nível são investimentos estratégicos — não apenas despesas que devem ser reduzidas.

Não dá para comparar uma produção premium com um ‘free service’ e esperar o mesmo resultado.

A mensagem que ecoou no painel é que não se pode falar em fomentar a criatividade se o modelo de negócio não estiver alinhado.

De nada adianta buscar ideias inovadoras se o ambiente de contratação e remuneração desvaloriza o craft ou elimina a competição que mantém o mercado vibrante.

A relação direta entre in-house e independentes não é uma ameaça em si. Há a possibilidade de abrir espaço para mais diversidade e inovação, desde que seja baseada em clareza de valor, transparência criativa e cooperação estratégica.

O futuro da produção criativa não é sobre “eliminar intermediários”, mas sobre repensar os papéis de cada ator do ecossistema.

À medida que os anunciantes fortalecem suas estruturas internas, o papel das produtoras e de criativos independentes será cada vez mais de oferecer o que não se pode replicar: olhar criativo, craft e diferenciação autoral.

Mais do que disputar espaço, o desafio está em educar, colaborar e construir relações diretas que ampliem, em vez de restringir, a capacidade criativa do mercado.