Perspectivas para a cultura no Brasil
O setor cultural é um ente importante do contexto político-econômico de um país e ora passa por um curso mais fluído, ora por um trajeto de curvas e obstáculos que atrasam o desenvolvimento de uma nação
O setor cultural é um ente importante do contexto político-econômico de um país e ora passa por um curso mais fluído, ora por um trajeto de curvas e obstáculos que atrasam o desenvolvimento de uma nação
Os brutais anos de pandemia que mudaram o panorama socioeconômico global contemporâneo deixaram marcas, lições e desafios também para o universo da cultura. As atividades culturais enfrentam hoje um processo de absorção de novas tecnologias e propostas expositivas, em meio a incertezas políticas sobre o projeto e o futuro que se reserva para a cultura nacional.
São tempos de mudanças e, no eixo da reabertura dos espaços, o legado da digitalização e do uso de canais virtuais – rota de sobrevivência para artistas e de oferta de possibilidades para o consumo de bens culturais diante da necessidade de isolamento social – se vê presente nas experiências imersivas que continuam crescentes em museus e centros culturais e são, por elas mesmas, elementos de atração para o público, ao propor novas formas de interação e diálogo entre o físico e o digital.
No médio prazo, o que se espera é um movimento pendular de reacomodação que abrigue tanto as possibilidades imersivas (projeções, uso de realidade aumentada, experiências com aplicativos e QR Codes) como a oferta de obras originais para apreciação, algo que foi diretamente afetado pelo ambiente econômico e a alta do dólar, como também pela restrição a viagens durante a pandemia. Por exemplo, era inviável deslocar-se ao exterior para negociar um empréstimo ou verificar acervos para exposição.
Mas o debate sobre o futuro da cultura não se restringe às adaptações, transformações técnicas e novas metodologias expositivas que já começam a se integrar aos espaços físicos. O setor cultural é um ente importante do contexto político-econômico de um país, e seus caminhos são afetados, ora por um curso mais fluido, ora por um trajeto de curvas e obstáculos que atrasam o desenvolvimento da nação.
No início da década de 1990 criou-se a Lei Rouanet e uma série de inovações legislativas nas esferas estaduais e municipais, de modo que nos anos de pré-pandemia foi se consolidando no país uma tendência de incentivo à cultura não só no campo político, mas também na iniciativa privada. Desenvolveu-se uma mentalidade pró-fomento cultural a partir de um esforço contínuo de empresas, associações e agentes da cultura, para conscientização dos benefícios institucionais que grandes organizações obtêm em relação a seu público ao aportarem capital em projetos culturais.
Boa parte dos frutos desses esforços foram minados por uma política federal não só de corte profundo de incentivos e de orçamento, mas claramente anticultural, que envolveu desde o abandono de alguns dos principais espaços de cultura do país até a imposição de barreiras ao diálogo de agentes culturais com a sociedade civil e o meio empresarial. Um dos efeitos desse cenário foi a queda vertiginosa no apoio de empresas a projetos relacionados à cultura, dificultando a retomada econômica do setor.
O futuro, nesse sentido, guarda uma única certeza: independentemente da configuração política que se desenhará para o Brasil em 2023, os agentes culturais terão de continuar remando nesse rio para reconstruir as pontes com o mercado e retomar os ganhos que se perderam em meio ao vácuo e aos danos herdados da política federal recente.
Nosso papel enquanto agentes culturais
Mas os desafios fazem parte da história, e é preciso buscar alternativas quando as portas se fecham. Ao longo de 50 anos atuando no mercado – e, há mais de 3 décadas, com foco específico no segmento cultural –, pude vivenciar diferentes cenários políticos, econômicos e culturais que desempenharam papéis importantes em nossa própria jornada de atuação no país.
Na década de 1970 comecei a consolidar minha carreira e, junto a colegas e parceiros, desenvolver inovações na arquitetura promocional com estandes e pavilhões para feiras nacionais como a Fenit, a UD e o Salão do Automóvel. Ao mesmo tempo, como contratado do Ministério das Relações Exteriores por meio de meu escritório, contabilizamos mais de 50 participações em encontros internacionais em 20 países nas décadas de 1970 e 1980. Desde o início e até minha transição efetiva para a gestão de projetos multidisciplinares a partir dos anos 1990, sempre busquei criar propostas para que novos públicos pudessem conhecer, explorar e se enriquecer com o acesso à cultura.
Para alcançar esse objetivo, participei também do desenvolvimento de modelos de exposições itinerantes que percorreram uma série de cidades do interior de São Paulo com o Museu do Futebol e o Museu da Língua Portuguesa, e da vinda de grandes mostras para o público brasileiro, como VIK (do artista plástico paulistano Vik Muniz), em São Paulo, A Arte do Ofício (que elucidou a relação do ser humano com o trabalho desde a pré-história até os dias atuais), em Brasília, e O Triunfo da Cor, em São Paulo e no Rio, que abordou o movimento pós-impressionista, entre muitas outras.
Hoje – e já de olho no futuro –, a reflexão consiste em expandir os limites dos espaços culturais, levando experiências museográficas interpretativas para regiões de contato direto com o meio onde estão alocadas. Nessa perspectiva, estamos desenvolvendo uma exposição na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, além de trabalhar novas propostas expográficas que combinam tecnologia, ludismo, trocas presenciais e contato com o meio ambiente, incluindo a reabertura da exposição Planeta Inseto, do Instituto Biológico de São Paulo.
O futuro do mercado, do trabalho e da cultura
Ao pensarmos no futuro do segmento cultural brasileiro, é importante refletir também sobre as relações de trabalho que se formam em uma sociedade global, interconectada, que já vivencia os modelos de trabalho híbrido e que vê o avanço da robotização e das novas tecnologias. Tais mudanças abrem tanto possibilidades em termos de eficiência e de novas relações de consumo, quanto incertezas sobre a alocação da mão de obra humana e de seu papel nesse amanhã que já bate à porta.
As mudanças no mercado de trabalho são impulsionadas ainda pela possibilidade de novas configurações fiscais em escala transnacional – como o imposto global sobre multinacionais que já é pauta da OCDE – e por debates sobre a redução das semanas de trabalho para 4 dias, que vem sendo experimentada em países como Islândia, Escócia e País de Gales, e em grandes empresas na Alemanha e no Japão.
No âmbito fiscal e tecnológico, os agentes culturais e o poder público precisam refletir sobre o impacto de tais mudanças na inclusão de trabalhadores no mercado e, sem que se freiem os importantes desenvolvimentos da digitalização, sobre os efeitos dessa tendência na geração de postos de trabalho que, como se sabe, ainda não se recuperou dos efeitos da pandemia.
Já na década de 1970, um dos caminhos que trilhei para contribuir com a geração de postos de trabalho no mercado de eventos e de cultura se deu pela formação de parcerias e pela terceirização em eventos nacionais, internacionais e, posteriormente, no eixo das exposições. Enquanto agentes culturais, é fundamental manter essa reflexão sobre o futuro do trabalho e da alocação de mão de obra na cultura, sobretudo num período com tantos desafios.
Por fim, a reflexão sobre um ciclo maior de lazer para os trabalhadores, sobre um tempo livre mais amplo, que pode ser aproveitado em atividades de enriquecimento cultural – que trazem ganhos já comprovados de produtividade para as empresas –, pode abrir oportunidades para a atração de novos e maiores públicos para os espaços de cultura, além de fomentar mais qualidade de vida e de tempo criativo para os cidadãos.
Resta saber o que queremos para o Brasil. Por hora, o cenário é de incerteza e ainda remamos contra a corrente, buscando reconstruir um ambiente político e econômico propício para o fortalecimento da nossa cultura.
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