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Opinião

Siga o mestre: a reinvenção de Andy Warhol

Quando as coisas já não fazem tanto sentido, o que é mais difícil, inventar ou desaprender?


6 de setembro de 2016 - 11h24

Um dia o bacana acordou, tomou pingado e pão na chapa na padaria, deu uma boa olhada na rua e bum! Tudo em volta era um outro lugar. As pessoas eram quase as mesmas, mas já não cantavam todas a mesma melodia nem concluíam as mesmas conclusões de sempre. Eram meio tortas, meio fora do eixo, indefinidas, uma coisa esquisita mesmo. Ainda assim viviam suas vidas tortas, produziam suas coisas indefinidas, emitindo opiniões seguras a respeito de suas esquisitices. Ainda bem que o bacana sempre foi antenado, transformando em peças criativas qualquer coisa torta que passasse pelo seu caminho.

Só que aquelas pessoas não riam mais de suas piadas preconceituosas, não tinham gosto para sua estética refinada, nem paciência para suas histórias polidas. Em algum momento de imersão criativa, o bacana acabou perdendo a conta. Era preciso encontrar o fio da narrativa daquele reality show o mais rápido possível.

Jean-Michel era uma daquelas pessoas esquisitas, um tipo meio torto do Brooklyn. Um dia conheceu Andy, um dos malucos criativos mais bacanas de Manhattan, e resolveram trabalhar juntos. A colaboração foi intensa, abrindo as portas da fama para um enquanto retemperava o trabalho do outro. A mostra Basquiat: Os cadernos Desconhecidos, em exibição no Peréz Art Museum de Miami é concluída com duas de suas cocriações com Andy Warhol. Focado em cadernos repletos de pensamentos, rascunhos, poesias e referências do artista, a mostra não poderia terminar de maneira mais significativa. Na década final da vida de ambos, a energia expressiva do iniciante desfigurava as verdades do mestre, que intencionalmente desaprendia seu domínio. Numa parede da exibição, uma citação de Basquiat diz algo como: “Eu marco esta palavra por que ela é importante. E vou continuar marcando até que eles a entendam”. O estabelecimento das artes era contaminado pela energia das ruas.

Basquiat me lembra Jimi Hendrix, outro esquisito que numa carreira fulminante redefiniu o blues elétrico. Separados por duas décadas, os dois perceberam a relação sinal-ruído desequilibrada de seus tempos. Numa carta enviada ao pai em 66, Jimi dizia: “Hoje em dia as pessoas não querem cantar bem. Elas querem cantar desleixado e colocar uma batida forte nas músicas. Se por acaso daqui uns três ou quatro meses você ouvir um disco meu que soar terrível, não tenha vergonha. É para onde as coisas irão”. Meses depois, Al Hendrix respondia ao filho comentando o álbum Are You Experienced?: “Estou ouvindo aquilo tudo e logo quando estou esperando que vá num caminho ele vai para outro. Pensei: Caramba! Tem uma coisa nova na sua música. Eu preciso me acostumar com isso”. Com apenas 24 anos Jimi já se sentia velho em seu trabalho e desaprendeu tudo para ser cada vez mais ele mesmo, de um jeito completamente novo.

Em um artigo recente na Fast Company, Liz Alexander defende que se agarrar a práticas e crenças desatualizadas pode colocar os melhores profissionais fora do jogo antes mesmo que percebam e propõe três caminhos para desaprender velhos hábitos rapidamente. Primeiro, convença-se que está errado. Evite a predisposição para a confirmação de suas próprias ideias, já que nos alimentamos de opiniões que confirmam nossas crenças. Segundo, dobre o número de fontes de informação. Evite ficar trancado em seu próprio meio, cercado de gente que pense igual a você. Terceiro, sinta medo. Embora todo mundo diga que adora sair da zona de conforto, a verdade é que muitos aplicam suas marcas de sucesso toda vez que o risco nos deixa com algum receio de falha. Some as três partes, pense com alguma transparência e veja que a maior parte das nossas lideranças criativas se beneficiaria do roteiro de Alexander.

Ou siga o mestre: Andy sabia das coisas. Abria os trabalhos comuns com logos impressos na tela, sua marca registrada, que eram então rabiscados, alterados, destruídos e carregados de significado extra por Jean-Michel. Encarava o medo com curiosidade, digeria novas imagens e novas ideias enquanto entregava o melhor. Andy tinha o faro.

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