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Uma volta com gosto agridoce na boca

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Opinião

Uma volta com gosto agridoce na boca

Pela primeira vez em 71 anos de festival, o Brasil retorna do Cannes Lions sem nenhum Leão na categoria Film, e isso é um reflexo do nosso mercado


3 de julho de 2024 - 6h00

A penúltima semana foi marcada pela 71ª edição do festival Cannes Lions. E, pela primeira vez na história deste evento, precisamos admitir a triste constatação de que o Brasil não voltou com nenhum Leão na categoria Film. Uma notícia que, não há como negar, recebemos com muita frustração.

É fato que, de uns tempos para cá, já vínhamos acompanhando uma certa dificuldade de o País conquistar Leões de ouro nessa categoria. Mas não receber nenhum metal foi algo realmente inédito e infeliz. Infelizmente, esse resultado não surpreende. Reflete uma realidade do mercado brasileiro.

Porém, quando observamos a categoria “Film Craft”, que é 100% voltada para técnicas de produção, conquistamos um Leão de Ouro em Animação com o filme “Ashe Versus”, totalmente produzido por profissionais brasileiros, dirigido pelo coletivo de diretores The Youth. Assinam a ficha técnica a produtora de imagem The Youth & Co e a produtora de áudio Satelite Audio. No entanto, a criação toda feita fora do nosso País pela TBWA\Health de NY e o cliente também norte-americano.

A mesma situação observamos com uma outra animação da produtora Zombie, que levou um Leão de Prata na categoria de Film com a peça “47”, mas com a criação de uma agência canadense. 

Em outras palavras, é inegável a competência, excelência e criatividade da produção audiovisual brasileira. É inquestionável que segue tendo destaque nas premiações pelo mundo, só não está encontrando o mesmo espaço no Brasil.

De modo geral, o Brasil é um país que se destaca no Festival como um todo. Tanto que encerramos a edição de 2024 com um total de 92 leões, melhor resultado dos últimos quatro anos. Ficando atrás apenas dos EUA e do Reino Unido. 

Mas fazendo um recorte exclusivo na categoria de Film, em 71 anos de evento, tivemos apenas 1 Grand Prix (GP) com o trabalho 100 Years de Leica, da F/Nazca Saatchi & Saatchi, dirigido por Jones & Tino, com produção da Stink e áudio da Satelite. E o nosso último Leão de Ouro foi em 2019 com um filme da Wieden+Kennedy para a Old Spice, dirigido por Fernando Nogari. Uma produção da Conspiração Filmes e áudio da produtora Loud. Ambos os casos com criações de agências brasileiras.

Ou seja, ao longo dos anos, notamos que o Brasil é um país que já se destacou muito nesta categoria, mas, infelizmente, vem perdendo espaço. E, na contramão desse movimento, estamos ganhando cada vez mais notoriedade em Film Craft com criações estrangeiras.

Um outro ponto que achei bem interessante foi o comentário feito por Tor Myhren, vice-presidente de marketing da Apple e presidente do júri da categoria de Film sobre os dois GPs. Sobre o trabalho com a Liga de Futebol Feminina Francesa, que mostra jogadas incríveis de “homens” no começo, mas, no decorrer do filme, revela que elas eram de mulheres na realidade, ele diz que a ideia foi genial apesar da execução não ter um grande impacto. Em relação ao GP da Austrália, ele afirma que houve uma combinação perfeita dos dois pontos.

E o destaque nisso? É que ambos foram trabalhos de 30-60 segundos. Inclusive, o presidente afirmou, na coletiva de imprensa, algo que merece nossa atenção: o fato de que diversos filmes de formato longo definitivamente não fizeram sucesso neste Cannes Lions.

Segundo ele, a transição da TV tradicional para a internet encorajou os formatos mais longos. No entanto, muitos projetos inscritos no festival eram extensos demais e não estavam bons o suficiente. E se há uma grande tendência a ser observada é que os filmes de 30 ou 60 segundos estão sendo mais bem sucedidos, pois eles desafiam as pessoas a contarem boas histórias em um tempo bem menor.

Isso é algo que traz uma reflexão para a gente, nos faz olhar ainda mais para dentro do Brasil e entender que o que vem acontecendo na categoria Film é um reflexo do nosso mercado, onde cada vez mais as marcas e agências têm deixado de investir na produção como já investiram um dia.

Hoje, parte importante das verbas que eram direcionadas para o audiovisual concorrem com ações diretas com influenciadores, dentro de programas e entre outros. Entendemos que essa migração de recursos e esforços vem sendo pulverizada, mas ainda acreditamos muito na construção de marcas por meio de boas histórias, que ainda são contadas através de narrativas audiovisuais. Por isso é tão importante olhar para esse retrato que o festival nos apresentou com carinho e atenção.

Investimentos a curto prazo com certeza traz retornos, mas a médio e longo prazos não faz uma construção de marca sólida, porque isso se constrói em várias frentes e depende de uma narrativa que tenhamos controle. Algo que vem se perdendo no Brasil.

Sinceramente espero que essa triste realidade que vimos na última edição do Cannes Lions se reflita de forma positiva para pensarmos no mercado para os próximos anos, ver o copo meio cheio e ter a oportunidade de fazer diferente, de ousar e de olhar para a produção audiovisual como os EUA e o Reino Unido e, quem sabe, voltar com um Leão de Ouro em Film na mala, em 2025.

Potencial criativo existe e muito no Brasil, somos potentes e fortes, temos um celeiro de talentos promissores e um polo de produção audiovisual que ficou ainda mais comprovado com os Leões das nossas produtoras. Resta-nos “apenas” retomar o brilho da criação e do investimento, precisamos de coragem e ousadia de marcas e agências para que possamos fazer a mágica acontecer.

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