8 de janeiro de 2024 - 10h30
O tema mais notável do ano de acordo com o dicionário inglês Collins. Sem dúvida, ao longo de 2023, você deve ter se deparado algumas dezenas de vezes com conteúdos e novidades relacionadas à Inteligência Artificial.
Não foi à toa. O avanço da tecnologia ocorre em ritmo acelerado, principalmente na área generativa, com o surgimento de novas aplicações nos mais diversos setores. Tanto que vem sendo considerada como a responsável por uma grande revolução não só no mundo dos negócios, mas também nas relações sociais.
Ao menos 235 mil pessoas acompanham a rotina de uma IA. Trata-se da modelo Aitana Lopez, criada por uma agência espanhola, que já possui parcerias com marcas de beleza e suplementos. O detalhe é que a figura de cabelo rosa se descreve como criadora de conteúdo digital, gamer, fitness, cosplay lover, mas em nenhum momento informa que não é um ser humano real. O mais próximo de uma referência à IA é apenas a hashtag #aimodel.
Outro exemplo é Emily Pellegrini, que já possui mais de 160 mil seguidores no Instagram. Seu criador conta que usou recursos do ChatGPT para criá-la e que sua popularidade já rendeu convites para encontros de atletas famosos e milionários – além de US$ 10 mil em plataforma de conteúdo adulto. Mais uma vez, não há nenhuma indicação de sua existência ser resultado de IA.
Em julho do ano passado, nesta mesma coluna, tratei sobre o uso de imagem, Direitos Autorais e privacidade na contratação de modelos virtuais, disponibilizados para criação por estúdios digitais. Agora o questionamento gira em torno do quanto conseguimos discernir uma interação com IA. Você seria capaz de saber que a Aitana é uma IA?
Como essas mudanças podem impactar nossas habilidades sociais? Vale lembrar o filme “Her”, de Spike Jonze, que há 10 anos já contava a história de um homem solitário que se apaixona por seu Sistema Operacional. Hoje não é exagero dizer que a falta de diretrizes no uso da IA já afeta relações humanas.
Já em novembro de 2023, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, assinou o primeiro decreto para regulamentar a Inteligência Artificial. O texto determina que desenvolvedores façam testes de segurança, gerem relatórios para mapear potenciais riscos ao mercado de trabalho, e criem selo que identifique conteúdo gerado por IA. Ou seja, é preciso informar a população que consiste numa criação virtual (conceito marca d’água).
Isso faz com que a indústria atenda e opere de acordo com Ethics by Design. As empresas, agências, marcas devem se adaptar a esta nova realidade que já se faz presente. Por exemplo, se houver manipulação ou modificação numa imagem criada nesses moldes de segurança, é possível não só demonstrar que houve má-fé, como também que havia uma proteção por parte do fabricante, que foi responsável e estava cumprindo com o pilar de transparência.
Agora no início de dezembro, parlamentares da União Europeia entraram em entendimento com o Conselho Europeu para assegurar que a Inteligência Artificial na região esteja respaldada por segurança, respeito aos direitos fundamentais e à democracia. A lei, chamada de “A.I. Act”, estabelece que chatbots e softwares que geram imagens alteradas (deepfakes), devem comunicar explicitamente o uso de IA em sua criação – o ponto técnico mais importante na minha visão.
São determinações que trazem obrigatoriedades considerando seus potenciais riscos, mas que podem encarecer ou inviabilizar o desenvolvimento da IA. O texto acordado ainda terá de ser formalmente adotado pelo Parlamento e pelo Conselho para se tornar obrigatória na Europa.
Uma questão crucial para a aplicação da inteligência artificial é a transparência e a qualidade da informação. É necessário que haja segurança cibernética e jurídica para o desenvolvimento socioeconômico. Por isso, cabe aos fabricantes adotarem um programa de governança da IA (inclusive a Generativa), com o estabelecimento de Códigos de Conduta e Contratos para a aplicação desses recursos.
Outro ponto bastante sensível é o impacto da tecnologia nas eleições. Nos Estados Unidos, a Comissão Eleitoral Federal do país abriu uma petição que, com um resultado positivo, pode significar novas regras para reger as campanhas eleitorais no país e até a proibição de conteúdos de IA em campanhas políticas.
Não se pode deixar de lado a necessidade de se resguardar determinados direitos e princípios fundamentais, sobretudo diante dos recentes casos de uso ilícito de modelos de inteligência artificial, seja para Deep Fake ou Fake Nudes. Cabe ao Estado em seu dever de cautela e cuidado se antecipar aos possíveis eventos danosos de uso ilícito ou desvio de uso da Inteligência Artificial, que pode trazer efeitos colaterais maléficos para toda a sociedade.
No Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já anunciou a realização de debates para regulamentar o uso de inteligência artificial nas próximas eleições, e punir candidatos que utilizam a tecnologia para desinformar os eleitores. A discussão em torno da regulamentação e da definição dos princípios éticos para seu uso é um dos principais temas para 2024.
Enquanto a lei não sai por aqui, o princípio é estabelecer diretrizes, “DO’s e DONT’s”, para que possamos inovar sem riscos legais e reputacionais desnecessários, de forma ética, sustentável, e respeitando o ser humano.