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Opinião

Contratação de Modelos Virtuais

Uso de Imagem, Direitos Autorais e Privacidade

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17 de julho de 2023 - 10h03

Por Patrícia Peck Pinheiro, Sócia fundadora e CEO do Peck Advogados, professora de Direito Digital da ESPM e Conselheira Titular do CNPD, e Ana Silvia de Moura Leite Piergallini, advogada especialista em propriedade intelectual, líder na área de Propriedade Intelectual e Marketing Legal do Peck Advogados

Realidade virtual e o metaverso

Crédito: Shutterstock

Após a onda dos influenciadores digitais virtuais, que movimentou o marketing de influência com avatares e meta humanos, como Lil Miquela, Noonoouri e Shudu Gram, uma nova tendência vem ganhando espaço com os modelos virtuais personalizados, que são disponibilizados para criação por estúdios digitais, como a Deep Agency e a Lalaland.

O avanço da tecnologia e o desenvolvimento da inteligência artificial trouxeram essa novidade para o mercado publicitário, com aplicação que se estende desde campanhas de publicidade até desfiles de moda virtuais.

No entanto, a contratação de modelos virtuais levanta questões legais importantes relacionadas ao uso de imagem, direitos autorais e proteção da privacidade.

Se por um lado a oferta de tais serviços vem revestida de benefícios, como a possibilidade de criar uma experiência de compra mais diversa e personalizada, por outro preocupa as bases usadas para a formação de tais conteúdos e a proteção dos direitos de uso de imagem dos modelos nesse contexto.

Em uma primeira análise, partindo da premissa de que não se trata de pessoas reais, está afastado o atributo da personalidade, portanto, não há que se falar em direito de imagem. Contudo, não podemos afastar o fato de que tais imagens são geradas a partir de aplicações algorítmicas que são treinadas com o uso de imagens de pessoas reais, cujas identidades são replicadas digitalmente.

Nesse ponto surge a primeira problemática: e quando o resultado trouxer consigo características personalíssimas de determinados indivíduos, cujas imagens foram usadas para treinar a IA? Haveria uma violação dos direitos de personalidade do titular de tais direitos? Como o contratante desses serviços pode se resguardar de tais riscos?

Há dois caminhos de solução possíveis: primeiro, o treinamento ser realizado para mero aprendizado (base primária) e não como resultado final (uso da imagem original na modelo virtual como inspiração, que não deve ser idêntica a uma identidade já existente). Neste caso, não há necessidade de consentimento, inclusive é permitido pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, conforme artigo 7, parágrafos 4º e 5º.

O segundo é por meio dos contratos, com a autorização prévia nos termos de imagem, com a inclusão de finalidade específica para uso na instrução algorítmica e modelagem de IA, com cláusulas que especificam se a imagem será utilizada no resultado final de forma literal (o que normalmente enseja a remuneração do profissional para tanto). Nada mais é do que a obtenção do consentimento expresso e informado para tais finalidades, haja vista que o uso não autorizado pode configurar uma violação dos direitos de imagem e privacidade, sujeitando o contratante à condenação por danos materiais e morais decorrentes da exploração indevida de tais direitos personalíssimos.

Além do ajuste quanto ao uso da imagem dos modelos, tem também a questão dos direitos autorais do fotógrafo. E aplicam-se as mesmas recomendações: a tais autores são assegurados os direitos exclusivos sobre suas obras, incluindo o direito de reprodução, distribuição e exposição.

O uso não autorizado e a proteção de tais obras geradas por IA têm sido motivo de muita discussão, sendo inclusive objeto de manifestação do Escritório de Direitos Autorais (US Copyright Office- USCO). Em geral, as legislações tendem a fundamentar o uso de obras protegidas para fins de mineração de dados nas hipóteses de fair use do direito norte americano. Mas fato é que atualmente se mostra premente a necessidade de atualização das legislações de direitos autorias, para adequação das limitações do direito às novas tecnologias. Enquanto isso não acontece, a proteção jurídica deve ser feita nos contratos.

Em um último ponto, não podemos afastar as questões relacionadas à privacidade. Ao utilizar imagens de pessoas reais para criar modelos virtuais, é necessário assegurar que todas as informações pessoais e identificáveis sejam devidamente protegidas, incluindo os dados biométricos.

Assim, é essencial assegurar que o uso desses dados esteja em conformidade com as legislações de privacidade e proteção de dados vigentes nas jurisdições em que se deram a oferta e a contratação dos serviços. Isso inclui obter o consentimento, quando necessário, dos indivíduos cujas imagens estão sendo utilizadas (há hipóteses de exceção de consentimento com bases legais que devem acompanhar finalidades específicas e atender princípios da transparência e da minimização), fornecer informações claras sobre como os dados serão tratados e implementar medidas de segurança adequadas para proteger esses dados contra acesso não autorizado.

Em conclusão, a contratação de modelos virtuais traz consigo questões legais complexas e demandam uma análise cautelosa dos termos de uso de tais plataformas, para entender como não só como os dados são tratados, mas também para melhor compreensão das questões éticas relacionadas ao uso desses recursos.

Antes de substituir as sessões de fotos tradicionais com modelos reais, as empresas devem sopesar tais riscos e se resguardar de que todos os direitos envolvidos estejam sendo respeitados.

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