7 de outubro de 2022 - 10h44
Por Carol Scorce
“Pessoas com deficiência (PCD) são extremamente criativas. Elas não têm opção. Precisam criar soluções para o que ninguém quer ver.” Michele Simões tem paraplegia, uma paralisia que atinge toda a parte inferior do corpo e é causada pela lesão da medula espinhal. Essa lesão ocorreu em 2006, quando sofreu um acidente. Na época ela era estudante de moda, e não tinha uma visão de mercado muito diferente da que a maioria dos que não são PCD têm.
“Fui fazer um intercâmbio e entendi que era muito difícil essa experiência para uma cadeirante. Foi então que eu criei em parceria com uma grande empresa do setor de turismo, que culminou no Guia do Cadeirante Viajante.”
Essa experiência – e aqui a palavra experiência precisa ser muito bem captada, pois tudo é sobre ela – levou Michele a entender que o mercado, marcas e produtos não eram acessíveis para PCDs. “O caimento de uma roupa é diferente se você está de pé ou sentada. Aos poucos entendi que construir o meu próprio estilo passava por peças que presumam a usabilidade. E isso não é só para PCDs. Passamos a maior parte do dia sentados, mas as calças jeans são feitas para ficar em pé. No fim do dia a cintura está dolorida!”, afirma.
Michele Simões: “Não adianta colocar personagens nas campanhas, é preciso entender como essas pessoas vivem” (Crédito: Divulgação)
Michele é fundadora do projeto Meu Corpo é Real, que prevê jornadas de inclusão de pessoas com deficiência por meio de equidade, acesso e inovação, e que hoje já transpôs o universo da moda. Até que um produto chegue a um consumidor interessado, há um ecossistema que precisa funcionar de acordo com as necessidades dele. É nesse ecossistema que Michele atua e quer atuar cada vez mais.
“Não adianta sentar para falar de produtos se os stakeholders não têm noção do que aquilo significa, ou se a liderança está muito afastada do processo. Não vai rolar. Quem vive o problema tem que sentar na mesa de quem constrói a solução”, comenta. E estar próximo significa cocriar. Como é a construção de estilo de uma pessoa cega? É pelo tato? Como essa mesma pessoa faz compras pela internet? Essas são algumas das perguntas que o mercado precisa começar a fazer, indica Michele.
Na publicidade, experiência e usabilidade também são o centro das atenções do Meu Corpo é Real. “Será que a publicidade está preparada para fazer um comercial de cerveja onde a forma de abrir a garrafa é com a boca? Não adianta colocar personagens nas campanhas, é preciso entender como essas pessoas vivem”, provoca.
Sua profissão hoje é designer de futuros anticapacitistas, que segundo ela é um dos maiores problemas da sociedade, do mercado e da publicidade quando o papo é inclusão.
“Uma vez eu estava numa reunião de negócios junto com a minha sócia, que é uma pessoa sem deficiência. Ela saiu para ir ao banheiro e a pessoa que se reunia com a gente me perguntou se eu tinha estudado. Eu fiquei chocada. Para ele, cadeirantes não vão à escola. E é assim com tudo. Como se PCDs não fossem consumidores, estudantes. Não adianta colocar um PCD numa campanha em um data específica, as marcas precisam pensar em todo o ecossistema. A publicidade é capaz de impulsionar mudanças. É preciso ter a cabeça mais aberta e entender o PCD como um criativo.”