Mulheres 50+ lideram mudança de comportamento habitacional
Pesquisa analisa os perfis da população madura no Brasil na hora de escolher um empreendimento e propõe novos modelos de moradia
Com 59 milhões de brasileiros acima dos 50 anos, dos quais 5,6 milhões vivem sozinhos e 5 milhões têm mais de 80 anos, o Brasil vive não apenas um processo de transição demográfica, mas um redesenho do comportamento habitacional. Dentro da economia prateada, que já movimenta R$1,8 trilhão em consumo anual e deve ultrapassar R$3,8 trilhões até 2040, a moradia se configura como o principal gasto mensal dos maduros.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa de vida das mulheres brasileiras chegou a 79,7 anos em 2023, quase sete anos a mais do que os homens. Elas não só estão vivendo mais como também buscam viver com maior qualidade.
As mulheres se cuidam mais, praticam hábitos preventivos, buscam saúde emocional e cultivam redes de apoio. Essa consciência sobre o autocuidado não se limita apenas ao corpo e mente, mas inclui também o local onde se vive.
Longevidade e comportamento habitacional
O Brasil vive uma transição demográfica acelerada, marcada pela queda nas taxas de natalidade e pelo rápido envelhecimento populacional. O país já conta, em 2025, com 29% da população com 50 anos ou mais. Em 2044, esse grupo representará 40% da sociedade.
Ao mesmo tempo, a taxa de fecundidade despencou de 6,28 filhos por mulher em 1960 para 1,55 atualmente, ou seja, número abaixo da taxa de reposição populacional. Esse movimento está redesenhando hábitos comportamentais e de consumo, impactando principalmente as formas de morar.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) mostram que mais da metade das pessoas acima de 60 anos que vivem sozinhas no Brasil são mulheres (55,5%). Pela primeira vez na história, elas lideram metade dos lares brasileiros e, muitas vezes, por escolha. São divorciadas, viúvas ou simplesmente independentes que decidiram viver a maturidade com protagonismo. Isso ocorre devido principalmente à maior longevidade das mulheres e a fatores socioculturais, como a tendência de mulheres viúvas ou separadas optarem por viver sozinhas ou com familiares.
Habitação como prioridade financeira
Neste contexto, a habitação se consolida como prioridade financeira: entre 26% e 30% da renda mensal das pessoas com 50+ é destinada à moradia e 12% delas ainda planejam comprar um imóvel, de acordo com a pesquisa Habitar 50+, do Quinto Andar.
Essa população têm buscado imóveis que ofereçam mais do que apenas um teto, mas que garantam segurança, acolhimento, acessibilidade, conectividade e bem-estar, conforme destaca o estudo “Residências para a Longevidade – Oportunidades para o Mercado Imobiliário”, conduzido pela MV Marketing e pela geroarquiteta Flavia Ranieri.
“Essa mudança é puxada por mulheres que não abrem mão da qualidade de vida, da autonomia e da conexão social. Elas não querem apenas morar, querem viver bem, e isso está forçando o mercado imobiliário a se transformar”, afirma Bete Marin, uma das coordenadoras da pesquisa. “A revolução da longevidade é feminina. E as mulheres 60+ já começaram a redefinir o jeito de morar no Brasil”, continua.
Esta transformação do setor precisa estar conectada com as necessidades, desejos e comportamentos de consumo dos maduros. “Escutar futuros moradores deixou de ser etapa protocolar e tornou-se parte essencial do processo de inovação. A longevidade não se resolve com adaptações pontuais, mas com um redesenho completo da cadeia de valor, da arquitetura ao modelo de negócio”, complementa Camilla Alves, cofundadora da MV Marketing e uma das coordenadoras da pesquisa.

Bete Marin, cofundadora da MV Marketing, e Flavia Ranieri, geroarquiteta e especialista em gerontologia, coordenadoras da pesquisa “Residências para Longevidade: Novas Oportunidades para o Mercado Imobiliário” (Crédito: Divulgação)
Perfis de moradores maduros
Com base em dados proprietários e benchmarks nacionais e internacionais, o relatório mapeou quatro perfis comportamentais de maduros na hora de escolher um imóvel. A segmentação cruza objetivos de vida, grau de autonomia, valores pessoais, vínculos afetivos e capacidade de investimento.
O primeiro perfil é do “explorador”, que tem como objetivo ter novas experiências. Os principais desafios que enfrentam é equilibrar liberdade e segurança sem limitar o estilo de vida. Ao escolherem um empreendimento, priorizam a ideia de preservar a qualidade de vida, evitar estigmas de velhice e ter ambientes que favoreçam a sua rotina ativa.
O segundo é o “agregador”. Eles desejam manter uma vida social ativa, criar vínculos e pertencer a comunidades. Seus principais desafios são evitar isolamento e encontrar equilíbrio entre privacidade e socialização. Na escolha de um empreendimento imobiliário, este grupo valoriza aqueles que proporcionam o convívio com vizinhança ativa e o compartilhamento de espaços comuns que estimulem o encontro, o diálogo e a troca.
Já o terceiro perfil é o “sábio”, que busca continuar ativo, no controle da própria rotina, sentindo-se útil, atualizado e produtivo. Quanto aos seus desafios, o estudo destaca a garantia da autonomia com uma infraestrutura que acompanhe seu ritmo. Para escolher um imóvel, valorizam os que ajudam a manter a independência em espaços que oferecem facilidades para sua rotina produtiva.
O último grupo é descrito como “em pausa”. Seus integrantes querem manter uma independência possível, mesmo com desafios e limitações. Suas barreiras são a acessibilidade, segurança e privacidade com suporte sob demanda. Entre os critérios para a escolha de um empreendimento imobiliário estão maior nível de suporte, ambientes que diminuam riscos de queda, mantendo autonomia e independência, e que ofereçam a possibilidade de se sentirem em casa.
Novos modelos de moradia
Os fatores de escolha de um imóvel para os maduros vão muito além da renda. São múltiplas variáveis que incluem momento e estilo de vida, valores, grau de autonomia e suporte, localização, vínculos afetivos, expectativas em relação à moradia e capacidade de investimento.
“Para quem estamos construindo? Essa deve ser a pergunta norteadora dos projetos imobiliários. Profissionais que ignoram a complexidade comportamental e as nuances do envelhecer correm alto risco de criarem projetos desalinhados com a demanda atual. Entender o perfil de consumo, os desejos e as barreiras emocionais que envolvem a decisão de compra é o ponto de partida para criar empreendimentos verdadeiramente desejados, rentáveis e sustentáveis ao longo do tempo. A longevidade, nesse contexto, exige uma abordagem de escuta ativa e design centrado nas pessoas”, analisa Bete Marin.
O mercado imobiliário segue concentrado em modelos tradicionais voltados para pessoas idosas com algum grau de dependência, como Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) e residências geriátricas. Além desses modelos formalmente regulamentados, o formato mais numeroso e prevalente no Brasil, destacado pelo estudo, é o “Aging in Place”, conceito que representa o envelhecimento no próprio lar e integrado à sociedade. Embora não seja um modelo imobiliário estruturado e não conte com regulamentação específica, corresponde hoje à realidade da maioria dos maduros no país.
Pensando nestas novas demandas, o estudo destaca novos conceitos e modelos de moradia para as pessoas mais velhas, fugindo do simples assistencialismo. Exemplo é “living as a service (LaaS) – Longevity”, que em livre tradução significa “residência como serviço para a longevidade”. Na prática, em vez de adquirir ou alugar somente um espaço físico, o morador passa a ter acesso a uma experiência completa de moradia, com serviços integrados.
É como uma assinatura de moradia, na qual, além do imóvel, o residente recebe uma série de benefícios: espaços de convivência intergeracional, serviços de saúde remota, acessibilidade integrada, conectividade, ambientes que acolhem o envelhecer e promovem independência.
Outro modelo apresentado pelo estudo é o “senior living, independent living ou aged apartments”, empreendimentos que oferecem unidades privativas completas com cozinha e área de serviço, além de serviços sob demanda, como alimentação, limpeza, lazer e suporte leve de saúde. Voltados a pessoas 60+ autônomas, esses empreendimentos priorizam segurança, conveniência e liberdade, sem a obrigatoriedade de cuidados assistenciais permanentes ou participação em atividades.
Já o “cohousing”, adaptado de experiências voltadas originalmente ao público jovem, propõe moradias compartilhadas com quartos privativos e espaços sociais coletivos em apartamentos ou casas. Quando direcionado ao público 50+ ou de perfil intergeracional, esse formato pode ser especialmente atrativo para maduros que buscam praticidade, vida social ativa e custos mais acessíveis.