Menopausa e carreira: entre o tabu e a potência da fase
Executivas e especialista apontam que quebrar o silêncio é crucial para reter talentos femininos em cargos de liderança
Segundo a pesquisa “Experiência e Atitudes na Menopausa”, da farmacêutica Astellas, 80% das brasileiras na menopausa acreditam que não são apoiadas no ambiente de trabalho e 49% afirmam que enfrentam barreiras na progressão de carreira e no reconhecimento profissional quando passam por essa fase da vida. Além disso, apenas 29% se sentem confortáveis de falar com seus líderes sobre o tema.
Ainda de acordo com o estudo, para 65% das brasileiras o assunto ainda é um tabu, e 66% acham que a menopausa e seus sintomas não são levados a sério. “No momento em que vivi a menopausa, era como se isso não existisse. Minha escolha foi não ligar, fingir que não existia”, relata Rita Almeida, head de estratégia e líder do Lab Humanidades da AlmapBBDO. Na avaliação dela, o tema avançou somente em algumas bolhas, onde tornou-se um assunto de discussão, mas, de forma geral, a menopausa segue sendo um tabu.
“Hoje é possível dizer ‘estou na menopausa, estou sentindo isso’, geralmente entre mulheres, entre amigas. Mas ainda não é um tema dentro das corporações, nem algo para o qual se criam políticas que suavizam o impacto da menopausa no ambiente de trabalho”, reflete Rita.
A menopausa, segundo a Dra. Ana Maria Passos, ginecologista e obstetra, é uma fase bem demarcada da vida de uma mulher. Afinal, ela passa um ano sem menstruar. Entretanto, existe uma etapa de transição anterior, que dura entre 10 a 14 anos, chamada perimenopausa. No período, a mulher já começa a sentir os sintomas associados à menopausa, como a névoa mental, a oscilação de humor, os fogachos e a insônia, por exemplo.
“É uma fase muito difícil, porque a mulher começa a ter uma série de sintomas que afetam bastante a produtividade, mas ela não associa à menopausa, já que ainda menstrua regularmente. Ela fica perdida, sem entender o que está acontecendo”, explica a médica.

Dra. Ana Maria Passos, ginecologista e obstetra (Crédito: Divulgação)
Daniela Cachich, presidente da unidade de negócio Beyond Beer da Ambev para América do Sul, teve menopausa precoce, por volta dos 45 anos. “Tive muitos calores, falta de energia, e, principalmente, aquela sensação de não se reconhecer mais. Não é sobre se olhar no espelho, mas perceber que o seu nível de energia, de concentração, muda completamente. Aquilo que antes era fácil de fazer, de repente fica difícil. É como se você quisesse continuar operando no mesmo ritmo de quando tinha estrogênio no corpo, mas simplesmente não conseguisse mais”, relata.
Com o tabu associado ao tema, as mulheres enfrentam uma série de desafios, a começar pelo preconceito. “A mulher na menopausa está ali com seus 50 anos e acaba enfrentando problemas no mercado de trabalho, não só por estar na menopausa, mas também por causa da idade. Então o que acontece é que a gente passa por cima da menopausa para conseguir se relacionar e não perder a posição social, especialmente no trabalho”, avalia Rita.
Como consequência, as mulheres não se reconhecem quando estão entrando nesta fase, e seus sintomas acabam sendo associados à outras questões. “Infelizmente, muitos ginecologistas que não são especializados nessa fase acabam atribuindo os sintomas ao cansaço ou à sobrecarga. Afinal, mulheres de 40 e poucos anos geralmente estão em ascensão profissional, cuidam da família, têm filhos e até pais mais velhos que precisam de apoio. Então os sintomas se confundem: é estresse ou perimenopausa?”, afirma Ana Maria.
Além disso, muitas vezes a oscilação hormonal pode não aparecer nos exames, por isso, o diagnóstico clínico de profissionais não especializados pode levá-las a tratar a questão em outras especialidades, como a psiquiatria.
Impactos na carreira
“A menopausa, para a mulher, é associada à perda de poder. Independentemente de ter ou não escolhido ter filhos, o poder da mulher é muito ligado aos órgãos íntimos. Então, quando esses órgãos deixam de exercer suas funções vitais, isso é associado a uma perda de valor, como se não servisse mais, nem para uma relação íntima, nem para o mercado de trabalho”, reflete Andrea Cruz, CEO da consultoria SerH1.
A presença dos sintomas e seu impacto sobre o cotidiano desta mulher elevam a sensação de impotência e insegurança. “Já tive paciente que esperou anos por uma promoção e, quando finalmente aconteceu, travou na reunião, ficou insegura e pediu para voltar ao cargo anterior. Então, realmente, o impacto é muito grande”, relata a Dra. Passos. “Elas chegam ao topo e, de repente, são atravessadas pela névoa mental, pelo cansaço, pela insônia e pela ansiedade. Isso faz o rendimento cair muito, o foco e a concentração diminuem, e a produtividade despenca”, continua a médica.
Um dos sintomas mais impactantes é a névoa mental. “Já aconteceu comigo, por exemplo, de estar em uma palestra e, de repente, esquecer o que eu tinha de dizer. Quando se tem algum domínio metodológico, dá para brincar com o público e retomar, mas nem sempre é possível“, conta Andrea.

Andrea Cruz, CEO da SerH1 (Crédito: Divulgação)
Conforme relata a ginecologista, os hormônios também têm uma ação importante sobre o cérebro, o que impacta diretamente a concentração, o sono e o humor. “Muitas mulheres começam a ter calor e suor noturno, o que atrapalha ainda mais o sono. Elas dormem mal, ficam cansadas, com queda de foco e concentração, irritadas e mentalmente sobrecarregadas. Existe também um cansaço mental muito grande, porque essa alteração hormonal deixa a mulher em estado de hipervigilância. Ela deita, mas não relaxa”, explica a especialista.
Tais sintomas também impactam diretamente as relações destas mulheres. “A libido e a energia caem, e a irritabilidade afeta os relacionamentos, inclusive no trabalho. Mulheres em posição de liderança, por exemplo, acabam tendo dificuldade de convivência com a equipe, porque ficam mais impacientes e menos tolerantes”, comenta Ana Maria.
Soluções
Para a médica especialista, é preciso difundir mais informações sobre a menopausa e a perimenopausa, para que mais mulheres saibam reconhecer os sinais e procurem especialistas no assunto para iniciar os tratamentos. Como no caso da Ana Célia Biondi, diretora-geral da JCDecaux no Brasil, que sempre fez acompanhamento médico e identificou preventivamente a queda nos hormônios. “Comecei a reposição hormonal de forma preventiva e quase não senti os efeitos físicos, como os famosos fogachos”, conta.
O caso da executiva demonstra como acesso à informação, cuidado integral com a saúde e apoio do ambiente podem tornar a experiência da menopausa uma transição positiva. “No meu caso, tenho um ambiente pessoal favorável: sou casada há 24 anos, e meu marido genuinamente admira cada fase da mulher. Ele sempre respeitou minhas escolhas, valorizando cada etapa sem preconceitos. Isso é um grande facilitador, porque reduz inseguranças sobre envelhecimento, libido ou aparência”, relata.

Ana Célia Biondi, diretora-geral JCDecaux Brasil (Crédito: Divulgação)
Para Ana Célia, a expectativa da chegada da menopausa foi mais angustiante do que quando ela realmente ocorreu. “Quando finalmente aconteceu comigo, pensei: ‘uau, liberdade’, porque foi tranquilo”. O relato contrasta com o ideário da menopausa associada ao desconforto e envelhecimento.
“Para mim, é importante mostrar outro lado: uma fase super mitigada e tranquila. Isso me deu segurança para testemunhar, me empoderou a desmistificar a menopausa e a compartilhar minha experiência com outras mulheres”, continua.
Apoio organizacional
Para as especialistas, o primeiro passo é abrir o diálogo no ambiente profissional. “Muitas mulheres evitam falar sobre menopausa porque não querem ser vistas como menos capazes ou perder poder. E, quando a conversa parte da empresa, isso ajuda tanto a liderança a lidar melhor com as mulheres nessa fase quanto elas próprias, a reconhecerem seus limites e fazerem escolhas mais conscientes”, afirma Andrea.
Entretanto, instruir as lideranças sobre o tema também é destacado como um passo importante para o acolhimento das mulheres que estão passando pela fase. Com informação, os gestores podem compreender melhor a situação, apoiar e acolher, evitando estigmatizar ou, ainda, piorar o relacionamento ou posicionamento da profissional no período.
Quando a liderança é bem instruída, ela podem até dar feedbacks mais construtivos. “Se ela fizer o que precisa ser feito, que são os feedbacks, isso já serve como um sinal amarelo ou vermelho para a mulher de que algo está diferente. O papel da liderança é justamente esse: dizer o que precisa ser dito quando notar mudanças de comportamento”, ressalta a consultora.
Para Andrea Cruz, as empresas de destaque em temas relacionados ao bem-estar dos colaboradores são aquelas que sabem diagnosticar e atuam de forma preventiva. “Saber quem são as colaboradoras, suas idades, se estão ou não na menopausa, e não deixar esse dado escondido lá no médico do trabalho”, afirma.
“A partir desse diagnóstico, é possível definir frentes de apoio e intervenção que contribuam com o todo. Hoje já existem aplicativos e soluções tecnológicas voltadas à saúde da mulher, em que, por exemplo, o sistema identifica se ela está próxima da menopausa e pergunta: ‘você fez seus exames?’, ‘como está sua saúde física?’, ‘está se exercitando?’, ‘como estão seus hormônios?’. Tudo isso sem invadir a privacidade, mas ajudando na prevenção”, continua. Na Ambev, por exemplo, é oferecido reembolso por tratamentos de reposição hormonal para mulheres no climatério.
Por fim, as mulheres que estão em posição de liderança e estão passando pela transição precisam, acima de tudo, de resiliência, para servir de resistência e inspiração para outras. “Acho que a minha própria permanência no mercado já é uma forma de mostrar que é possível ter 65 anos e continuar aqui”, afirma Rita.

Rita Almeida, head de estratégia da AlmapBBDO (Crédito: Divulgação)
“Acho que isso é responsabilidade das mulheres que estão liderando e passando pela menopausa, assim como é a minha. A palavra ‘menopausa’ ainda carrega um peso, uma conotação negativa, e por isso é importante trazer o assunto para a mesa sem constrangimento”, complementa Ana Célia.
Afinal, com a idade de aposentadoria mais distante e o aumento das mulheres no mercado de trabalho, elas costumam chegar a cargos mais altos justamente quando estão entrando na menopausa, como no caso de Daniela. Juntamente com a menopausa precoce, ela trocou de empresa e assumiu uma alta posição na Ambev.
Desde quando Daniela Cachich começou a falar abertamente sobre menopausa, ela ouve de outras mulheres que isso exige coragem. “Achei curioso, porque nunca vi como um ato de coragem, mas como uma maneira de quebrar um tabu. Afinal, isso vai acontecer com todas nós”, conta.
“Depois que comecei a falar sobre o tema, muita gente me procurou pedindo ajuda ou dizendo que eu tinha aberto os olhos delas. Hoje, me vejo como uma agente dessa transformação, alguém que pode falar e explicar. E percebo que, quando compartilho isso com as mulheres que trabalham comigo, elas se sentem mais amparadas”, relata.
Início de uma nova fase
Para Rita Almeida, é importante também ressaltar os pontos positivos que a maturidade traz. “Acho que o amadurecimento e a menopausa trazem coisas boas também, além das ruins que a gente já conhece. Traz liberdade, autenticidade, e faz a gente se preocupar menos com a opinião dos outros. Posso dizer que, a partir dos 50, comecei a experimentar uma certa liberdade de ser eu mesma, o que é ótimo”, relata.
Para superar essa visão estigmatizante e negativa sobre o período, é preciso entender e desmistificar certos mitos sobre a menopausa. Um dos primeiros mitos que a Dra. Ana Maria Passos destaca a ideia de que a reposição hormonal causa câncer. “Hoje, a reposição hormonal usa estradiol, progesterona e, muitas vezes, testosterona, os mesmos hormônios que o ovário da mulher jovem produz. A indústria conseguiu fabricar essas moléculas idênticas às que nosso corpo sempre produziu, ou seja, não há riscos como os que existiam com a combinação antiga”, informa.
Outro ponto importante destacado pela ginecologista é a de que o tratamento só começa na menopausa. “Muitas mulheres só buscam ajuda depois de parar de menstruar. No período anterior, elas não associam os sintomas às alterações hormonais e recorrem a paliativos como remédios para dormir, ansiedade, depressão ou para perder peso, mas isso não resolve a questão principal. Esse atraso no cuidado é um mito importante que ainda precisa ser desmistificado”, aponta.
O mito mais prevalente entre as entrevistadas é a associação da menopausa com a velhice com teor negativo, com o fim da produtividade. “A menopausa está acontecendo cada vez mais cedo, e com a tecnologia e os avanços da saúde, a vida está mais longa e preservada em todos os sentidos. Menopausa não significa velhice, não significa escanteio, não é o fim de nada. Ela é o início de uma nova fase”, afirma Ana Célia.
“Hoje, a menopausa faz parte da vida de mulheres ativas, seja em relacionamentos, no trabalho ou em outras esferas da vida. Cuidar da saúde, se exercitar, se alimentar bem, usar recursos disponíveis, tudo isso ajuda a atravessar essa fase com qualidade de vida”, reforça a executiva.
“Estou em um dos momentos mais potentes da minha vida e da minha carreira. Sou presidente de uma divisão na Ambev, toco um negócio importante, com um time incrível, entregando um crescimento muito interessante”, relata Daniela. “Acho que deveríamos olhar para a menopausa exatamente assim: como algo potente. Passar por isso e passar bem, no meu caso, fazendo reposição com acompanhamento médico, mostra que ainda temos muito para construir. Não é o fim de nada, é o começo de uma nova jornada”, conclui.