Mulheres, criação e desequilíbrios históricos
Apesar do crescimento da liderança feminina nas agências de publicidade, a área de criação é a última fronteira dominada pelos homens
Mulheres, criação e desequilíbrios históricos
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29 de maio de 2024 - 9h02
Por Andrea Assef
Ok, a sala não está mais trancada. É inegável o aumento da liderança feminina nas agências, nos últimos anos, com a presença de CEOs mulheres como Renata Bokel (WMcCann), Lica Bueno (Talent), Karina Ribeiro (VML), Tatiana Marinho (Gana), Marcia Esteves (Lew’Lara\TBWA), Gabriela Onofre (Publicis Groupe), Carol Boccia (BETC Havas), Valeria Barone (GUT) e Brisa Vicente (Soko), só para citar algumas. Essa nova geração de mulheres coloca fim à era “lidere como um homem”, pois cada uma tem encontrado a sua forma de liderança, mas, apesar disso, ainda há um reduto majoritariamente masculino nas agências em geral, que é a área da criação.
Centro nervoso do negócio da propaganda, a área criativa é a última fronteira dominada pelos homens. Portanto, não seria exagero afirmar que ainda é possível encontrar no departamento criativo de cada agência brasileira uma ou mais versões 2024 de Peggy Olson, a personagem da série Mad Men, ambientada na década de 1960, que trabalha duro para ter seu talento reconhecido no ambiente machista da criação da fictícia agência Sterling Cooper.
Recentemente, cresceu a quantidade de matérias e postagens sobre o desequilíbrio histórico entre o número de homens e mulheres nas áreas de criação das agências de publicidade. O debate, apesar de mais disseminado, ainda é necessário, pois não há equidade de gênero tanto na criação quanto nas lideranças dessa área. Precisamos reconhecer que a bolha já começou a ser furada, mas a jornada ainda é longa.
“Socialmente, a mulher ainda é vista como um ser operacional que organiza, gesta e educa. Por isso, a mulher é a abelha operária”, explica Deh Bastos, diretora executiva de criação na Map Brasil, que fez um TEDxSãoPaulo, no mês passado, sobre a Síndrome da Abelha Operária.
“A mulher até pode ser vista como artista, mas sem capacidade de ter pensamento crítico ou de entregar performance e resultados”, diz Bastos.
A diretora de criação da Map Brasil, porém, percebe algum avanço em lugares como, por exemplo, os júris nacionais e internacionais dos quais tem feito parte nos últimos anos. “Tenho visto cada vez mais mulheres plurais nesses espaços” afirma ela, que é presidente do júri do Clube de Criação 2024 na categoria Mídia, e foi jurada do Clio 2024, do The One Show 2024 e do D&AD 2024. “Mas enquanto não tivermos mais Chief Creative Officers mulheres, esse movimento não será intencional dentro das agências. E mesmo sendo mulher é preciso que ela tenha letramento de gênero para realmente fazer a diferença de maneira estratégica”, afirma Bastos.
Para Andrea Siqueira, diretora de criação executiva na BBDO Chicago e integrante do Creative Council North America da BBDO, um dos motivos para a perpetuação da falta de mulheres na criação é o fato de os líderes homens contratarem sempre seus amigos homens. “A cultura de headhunter ainda é pequena no mercado publicitário brasileiro e isso limita a procura na hora de preencher uma vaga; em vez de performance criativa e skills de liderança, muitas vezes, a vaga é preenchida com base no amigo, no ‘ser igual’”, afirma.
A criatividade é a principal entrega de uma agência de propaganda e isso gera uma carga horária intensa e uma dedicação imensa dos departamentos criativos. “De certa forma, esse ambiente tóxico e de alta competitividade foi expulsando as mulheres, principalmente, as mulheres da minha geração. Estávamos sempre em menor número em qualquer sala. Acho que hoje isso está mudando, mas ainda há muito por fazer e essa mudança precisa ser mais acelerada e precisa vir da liderança da empresa”, diz Siqueira.
Segundo Keka Morelle, CCO da Ogilvy Latam e integrante do Worldwide Creative Council da Ogilvy Global, há um componente importante nessa equação e que está ajudando na jornada de transformação, que é o papel do cliente. “O comportamento dos clientes mudou muito nos últimos anos, eles questionam cada vez mais a ausência de mulheres e de diversidade no geral. E isso empurra as agências a agirem nessa direção”, afirma Morelle. “Mas é preciso fazer de forma verdadeira, com propósito.”
Ela sugere três ações para avançar na questão: intencionalidade na entrada de novos talentos femininos na criação, reconhecimento do trabalho das mulheres (na mesma proporção dos homens do time) e ações efetivas de retenção para não perder talentos para outras indústrias (games, plataformas de tecnologia e outras atividades da economia criativa). “Tenho várias amigas que começaram comigo na criação, mas foram encontrar outros espaços para exercer a criatividade. São bem-sucedidas designers de joias, estilistas, motion designers. A pergunta é: Por que a área de criação das agências perdeu essas mulheres incríveis?”, diz Morelle.
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