O que U2, o mundo dos games e as divas pop têm a ver com o futuro do entretenimento

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Opinião

O que U2, o mundo dos games e as divas pop têm a ver com o futuro do entretenimento

Combinar um conceito sólido com uma estratégia muito bem planejada, o uso da tecnologia, a construção de uma base fiel de fãs e a arte de contar histórias para gerar engajamento me parece ser a resposta


29 de novembro de 2023 - 8h15

(Crédito: Champ008/Shutterstock)

Quando eu ainda estava na faculdade de comunicação social, tive que ir a uma exposição chamada Imersão para fazer um trabalho. Era uma exposição experimental, cheia de instalações e performances visuais, e todas as obras tinham um subtexto: o poder da tecnologia de gerar imersão e conectar as pessoas, que acabam por fazer parte das obras.

Na época, aquilo pareceu muito revolucionário e um prelúdio do que estava por vir. Da década de 2000 para cá, esse caráter imersivo das obras e espetáculos se aperfeiçoou, contaminando (no bom sentido) o mundo dos games e da música pop.

Esse movimento começou com o universo dos jogos, que inovaram ao apresentar uma possibilidade imersiva e muito interativa de entretenimento. Nos games, o jogador não consome passivamente algo: ele participa de forma ativa, jogando, interagindo com os amigos, tomando decisões e elaborando estratégias para vencer.

Essa tendência de imersão nos jogos se acentuou com o boom dos games narrativos. Muitos são tão bem-feitos que parecem verdadeiros filmes interativos. Há um enredo se desenrolando na tela, e o jogador é um dos atores, já que suas ações influenciam diretamente no que vai acontecer.

E essa derrubada de fronteiras nos games não parou por aí. Durante a pandemia, tivemos uma experiência inédita: o show do rapper Travis Scott dentro do jogo Fortnite, numa apresentação virtual que reuniu 14 milhões de pessoas e foi transmitida também no YouTube e na Twitch. Para mim, essa foi a faísca desse novo paradigma do entretenimento que estamos presenciando, e que extrapolou os games, chegando à indústria da música tradicional.

Foi-se o tempo em que, para fazer um show de sucesso, bastava o artista, a banda, um palco e o fôlego dos espectadores para cantar a plenos pulmões. Hoje, os artistas mais bem-sucedidos do show business promovem espetáculos cada vez mais grandiosos e com um caráter imersivo que os aproxima da comunidade de fãs de uma maneira nunca antes vista. Os concertos transcendem a própria música e convidam todos os sentidos humanos para dançar, com cores, luzes e sons perfeitamente afinados.

Tomemos a turnê mais recente da Beyoncé, a Renaissance Tour, como exemplo. Muito mais do que concertos musicais, os shows são um espetáculo de luzes, cores, efeitos sonoros e performances impecáveis. Telões impressionantes, elementos visuais, dançarinos em perfeita sincronia e efeitos especiais dão a sensação de que o público está ali, conectado com seu ídolo. Por mais longe que se esteja do palco, a impressão é a mesma.

E o mais interessante é que o show não termina depois do último bis. A experiência continua após a apresentação, graças ao verdadeiro multiverso criado pela artista. A turnê virou filme que, sem ter sequer estreado ainda, já está com ingressos esgotados nos Estados Unidos. A diva pop também lançou o perfume da tour, o The Noir.

Outro exemplo de turnê que transcende a música e se torna um entretenimento ainda mais completo é a aclamada The Eras Tour, da Taylor Swift, que já começa grandiosa desde a proposta de, em um show de três horas e meia, percorrer 17 anos de carreira da artista. Para isso, usa e abusa do storytelling.

Para além da performance e dos figurinos impecáveis de Taylor, o show é um deleite para os olhos. Elementos de cada uma de suas eras musicais surgem no palco, como em um passe de mágica. Você pisca os olhos e, puf, a cabana de Evermore surge do nada. Pisca novamente e a floresta noturna de Folklore brota no palco. Nuvens, bicicletas iluminadas, uma piscina onde a artista “mergulha” para sair de cena e se preparar para a próxima era… tudo é absolutamente hipnotizador. A sensação também é de estar ali pertinho, numa conexão profunda com a cantora.

The Eras Tour também virou filme, que não é apenas um show filmado. O longa tem cortes estratégicos, planos e enquadramentos, transições e outros elementos que tornam claro que é uma peça especialmente planejada para o cinema.

A experiência ao se assistir ao filme não é a mesma de se participar do show, mas a complementa. Tanto é verdade que bateu recordes de bilheteria e movimentou o mercado de distribuição nos cinemas, levando vários filmes a mudarem suas datas de estreia para não competir com o longa de Taylor Swift.

Saindo um pouco do nicho das divas pop, temos o exemplo recente do show que a banda irlandesa U2 fez no Sphere de Las Vegas. O concerto naquela esfera gigantesca é como se fosse a imersão proporcionada pelos games ganhando o mundo real.

Durante a exibição da banda, o teto inteiro vira um enorme telão, de tal forma que o público mal consegue distinguir onde começa e onde termina o palco. Os mega painéis de LED do Sphere ajudam a trazer o público para dentro do show de uma maneira totalmente inédita. Os fãs mergulham naquela experiência quase que literalmente.

Tudo isso me faz pensar na seguinte questão: para onde o entretenimento está indo? E, o mais importante, o que as marcas podem aprender com isso?

Para começar, a experiência idealizada pelos artistas não começa nem acaba no show em si. Existe um conceito por trás das turnês e tudo parte dele. Há os concertos, o lançamento de vinis, a criação de acessórios e peças com o tema da turnê, a turnê vira um filme… são várias oportunidades que os fãs têm de participarem daquilo e ter uma experiência inesquecível.

Acredito que as marcas podem aprender com esse caráter transmidiático dos mega shows de artistas pop e pensar em como criar um conceito forte que esteja presente em vários canais, envolvendo o público-alvo de uma maneira inédita. Também é bacana pensar em como utilizar o storytelling para gerar conexões profundas e aumentar o interesse do público pela marca, algo que esses artistas sabem fazer muito bem.

Outro ponto interessante — e que as marcas podem “importar” dos artistas — é a união entre a tecnologia e o elemento humano, que devem andar juntos para gerar a imersão e criar experiências.

O avanço tecnológico é fundamental tanto para a grandiosidade dos mega shows quanto para as empresas, mas ele nunca deve “substituir” o caráter humano, que é o que torna cada experiência especial. Por mais telões e pirotecnias que um show tenha, o mais importante ainda é a Beyoncé, a Taylor ou o Bono cantando no palco. O mesmo vale para as marcas, que devem aprender a usar a tecnologia como aliada para proporcionar experiências impactantes na jornada do consumidor, mas sem nunca se deixarem “robotizar” demais.

Outro aprendizado diz respeito à personalização da experiência do cliente. Para ilustrar, temos as surprise songs da Taylor Swift. Além do setlist fixo, em cada apresentação ela canta duas músicas surpresa, que são escolhidas de acordo com o que os fãs daquele país ou estado possam gostar. Isso também pode ser feito pelas marcas. Há um conceito macro, mas as experiências micro podem e devem ser personalizadas – e isso é outra coisa na qual a tecnologia pode nos ajudar.

Os artistas sabem muito bem que há o momento de ser global e o momento de agir localmente. Da mesma forma, as marcas podem desenvolver um conceito macro e desdobrá-lo para microcomunidades, tornando a experiência dos clientes única. Assim, é possível surpreender os consumidores com experiências mais imersivas e interativas e entregar coisas que eles não estavam esperando, mas que têm tudo a ver com seu comportamento.

Finalmente, é importante entender como nutrir a sua comunidade, produzindo mais conteúdos e mais maneiras de ela interagir com a marca. Os artistas não estão presentes junto aos fãs somente no momento do show: eles lançam colabs, filmes, produtos licenciados, interagem diretamente com sua base de fãs, que, não raro, têm até um nome próprio para defini-los, como “BeyHive” e “swifties”. Eles sabem muito bem como manter sua comunidade interagindo e engajada com os artistas.

Combinar um conceito sólido, uma estratégia muito bem planejada, o uso da tecnologia e a arte de contar histórias para gerar engajamento, além de construir uma base fiel de fãs e consumidores, me parece ser o futuro do entretenimento, e um rumo que as marcas podem tomar para se tornarem mais relevantes.

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