Mulher, mãe e CEO: os desafios de Clara Mendes na cena do rap

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Mulher, mãe e CEO: os desafios de Clara Mendes na cena do rap

Confira a trajetória da co-fundadora e CEO da produtora de rap e trap 30PRAUM, sócia do cantor Matuê


15 de fevereiro de 2024 - 16h41

Clara Mendes é co-fundadora e CEO da produtora musical de rap e trap 30PRAUM (Crédito: Renan Pinheiro)

Clara Mendes, natural de Berlim, na Alemanha, é co-fundadora e CEO da 30PRAUM, produtora musical de rap e trap pioneira no Nordeste. Apesar de ser filha de mãe portuguesa e pai alemão, foi no Brasil que ela decidiu criar raízes. Durante um intercâmbio em Fortaleza, no Ceará, ela conheceu Matuê, rapper e sócio da empresa. Lançada em 2016, a produtora busca descentralizar o rap nacional e impulsionar o cenário nordestino, tendo como um dos seus carros-chefe o Plantão Festival, primeiro festival de trap de Fortaleza. 

Nesta entrevista, Clara Mendes fala sobre o surgimento e o crescimento da produtora, assim como a evolução do gênero musical no Brasil. Além disso, a executiva aborda os desafios de ser mulher e mãe num cenário predominantemente masculino como o do rap nacional. 

 

Fale sobre a sua trajetória profissional. Como surgiu a 30PRAUM? 

Não imaginava que acabaria no mercado musical, mas minha origem está profundamente ligada às artes, já que meu pai é artista. Cresci em Berlim, imersa nesse ambiente. Inicialmente, meu foco era nas artes plásticas, como pintura e escultura, mas sempre nutri uma grande paixão pela música. 

A vida, no entanto, me conduziu para outro caminho. Ao me inscrever na faculdade de artes, juntamente com alguns amigos, fui a única não aceita. Fiquei em um estado de desespero, sem saber o que fazer, pois era claro para mim que esse era meu caminho. Acabei estudando administração, pensando em combinar esse conhecimento com minha paixão pelas artes. 

Quando fiz um intercâmbio em Fortaleza durante a faculdade, me apaixonei pelo Brasil. Ao retornar à Alemanha para concluir meus estudos, estava determinada a voltar após a formatura. Durante esse intercâmbio, conheci Matheus, o Matuê, com quem tive um relacionamento na época. Acompanhei de perto seu talento musical e sempre o incentivei a seguir essa carreira. 

Enquanto eu trabalhava na área de energias renováveis, outra paixão minha, decidi largar tudo para morar no Brasil. Ao chegar aqui com Matheus, me envolvi cada vez mais com música, e percebi que eu tinha um talento de compreender tanto o lado artístico quanto o empresarial. Minha formação me proporcionou uma visão abrangente, sendo uma ponte entre esses dois mundos. Até hoje, consigo desempenhar esse papel na 30PRAUM, pois acredito que arte e negócios estão intrinsecamente ligados. 

Como foi o crescimento da produtora? 

Desde o início, tínhamos uma visão clara de onde queríamos chegar. Nossa aspiração sempre foi ser uma produtora capaz de representar fielmente o Nordeste. No entanto, quando as coisas realmente começaram a acontecer, foi uma surpresa em vários aspectos. Estávamos tão concentrados em nossos objetivos que, às vezes, mal percebíamos que as coisas estavam de fato acontecendo. O crescimento, por exemplo, foi um susto quando finalmente nos demos conta dele. 

Começamos com 10 funcionários e agora somos uma equipe de 60 pessoas. A operação está se expandindo cada vez mais, e os desafios também crescem proporcionalmente. Um deles é manter a autenticidade durante o processo de crescimento, mas acreditamos ser fundamental para o nosso sucesso. 

Quais são os desafios de ser uma mulher no cenário do rap? 

Isso foi uma luta por bastante tempo, considerando que se trata de um mercado predominantemente masculino. Percebi essa dificuldade quando comecei a me envolver mais com a cena, especialmente porque por muito tempo estávamos isolados em Fortaleza, trabalhando intensamente em nossa visão. 

Ao contrário da minha experiência em Berlim, onde nunca enfrentei problemas por ser mulher, aqui foi uma realidade diferente. Lá, meu trabalho era reconhecido simplesmente como um ser humano, independente do gênero. No entanto, ao começarmos a viajar e interagir mais com o mercado, percebi que algumas pessoas não me cumprimentavam, não me levavam a sério e só queriam falar com o Matheus. 

Sempre me posicionei com naturalidade, não apenas como a mulher de Matheus, mas como sua sócia, porque esse é o meu papel, e continua sendo. No início, isso me incomodou um pouco. Foi uma adaptação estranha, mas, de certa forma, usei isso como combustível para mostrar meu trabalho. Deixei o trabalho falar por mim, e um dia a compreensão e o respeito viriam. 

No final, deu certo, e hoje em dia a dinâmica é diferente. Muitas pessoas no meio conhecem meu trabalho. Agora, minha meta é traduzir essa experiência para outras mulheres, não apenas pelo papel que conquistei, mas para que todas tenham mais respeito nos bastidores do rap. 

Pelo menos do meu ponto de vista, percebo uma evolução constante, onde as mulheres estão ganhando o respeito que merecemos para sermos tratadas de maneira igualitária. Entretanto, nos palcos, a situação ainda é desafiadora. Acredito que ainda precisamos realizar um trabalho árduo nessa área. A representatividade é algo que ainda falta, e há um caminho pela frente para garantir que isso se torne uma realidade. 

Quais são os planos para o futuro da 30PRAUM? 

Atualmente, estamos focados no Plantão Festival, que representa uma de nossas metas de descentralizar o rap, especialmente para fora do Sul do Brasil. Historicamente, a cena do rap se concentra do Rio de Janeiro para baixo, principalmente quando falamos de eventos. 

Nossa missão é destacar e fortalecer o rap do Nordeste, mostrando a potência que temos para o país todo. Ainda há muito a crescer nesse aspecto, e esperamos que surjam mais artistas da região. Particularmente, tenho uma grande missão em trazer uma artista feminina para o cenário, algo que considero de extrema importância. 

Você enxerga uma evolução do cenário do rap e do trap nacional? 

A trajetória foi realmente gigantesca. No início, em 2016, quando começamos a realizar os primeiros eventos, enfrentamos desafios inesperados, como a surpresa dos artistas quando apresentamos contratos. Foi difícil para alguns entenderem a necessidade desse documento. A resposta era que não se tratava de falta de confiança, mas de segurança para ambas as partes. 

Hoje em dia, a situação está muito melhor. É notável que diversas produtoras de rap estão se profissionalizando cada vez mais, algo que começa a ser reconhecido, principalmente pelo mainstream, que percebe a viabilidade de trabalhar com o gênero. Agora, temos contratos e uma compreensão mais sólida da parte negocial. 

Observamos também o rap ganhando espaço nos rankings, sendo cada vez mais presente no top 50. Essa conquista continua a crescer, e acredito que estamos apenas no início desse processo. 

Você também é mãe de uma criança pequena. Como você equilibra o papel de executiva com a maternidade? 

Certamente, isso trouxe mais uma camada de complexidade ao jogo. A maternidade é a melhor coisa do mundo, mas conectar isso com o lado empresarial é um desafio considerável. Ser uma empresária-mãe, especialmente em um meio predominantemente masculino, é uma tarefa desafiadora. Na maioria das vezes, como mulher, já temos que provar constantemente nosso valor, trabalhando o dobro para ganhar respeito. 

Como mãe, com as noites sem sono e as demandas do mercado, a equação exige não apenas o dobro, mas o quádruplo de esforço. No início, foi realmente intenso, mas encarei o desafio. Decidi ser mãe e empresária, sabendo que teria que abrir mão de um pouco de sono por alguns anos, confiante de que as coisas se normalizariam com o tempo. O desafio é real, mas é algo que escolhi e estou enfrentando com determinação. 

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