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Opinião

A mulher invisível

Ser jovem demais não existe, mas ser velha demais tem acontecido bem mais cedo


11 de março de 2024 - 10h56

(Crédito: VICHIZH/Adobe Stock – Gerado com IA)

40 e poucos, short de paetê rosa, tiara de flores na cabeça, top com dois abacaxis cobrindo os seios e ninguém olhou para ela.

Pela primeira vez ela se sentiu invisível.

Ainda que brilhasse, que sorrisse e que cantasse todas as músicas, nenhum olhar, além das amigas, cruzava com o seu. E olha que ela procurou estes olhares. E procurou não por querer possuir um homem, procurou para validar sua existência ali, naquele bloquinho. Sua maldita autoestima havia sido treinada, desde muito cedo, para se fortalecer, apenas, sob um olhar masculino de aprovação.

40 e poucos, short de paetê já no cesto de roupa suja, tiara na gaveta, banho tomado, bolhas nos pés e controle remoto nas mãos. Ela bem que rodou o menu da plataforma de streaming, queria um filme que falasse com ela, sobre ela. Queria um espelho, uma troca, um conforto em saber que ela não estava só, apesar de querer estar com os pés esticados no sofá e sozinha em casa.

E pela segunda vez ela se sentiu invisível.

Nenhuma história falava sobre ela. Ainda que fosse uma gata, inteligente, tenha lido, viajado, trepado, beijado, ela não estava ali. Até encontrou um filme que contava a história sobre um casamento que terminou em um divórcio doído (como o seu), mas se indignou quando entendeu que a protagonista fazia o papel de uma mulher de 40 e poucos anos mas tinha, na vida real, 29.

40 e poucos, camisa branca, calça jeans, colares escorridos sob o colo, band-aid nas bolhas dos pés, e uma sala de reuniões repleta de homens numa quinta-feira pós-carnaval.

Ela apresentou a reunião e, por umas três vezes, o cliente também não olhou para ela, apenas se dirigiu ao assistente quando quis perguntar algo.

E pela terceira vez ela se sentiu invisível.

E se sentiu invisível quando parou de ser chamada para trabalhos, quando foi trocada por uma garota de 26 anos, quando ouviu “nossa, você não parece a idade que tem”, quando seu salário diminuiu, quando a bunda aumentou, quando a menstruação parou: agora nem como procriadora ela seria enxergada.

Você está velha demais.

Para o carnaval, para o emprego, para o sexo sem razão, para a suruba, a calça de paetê, o topless, a tatuagem.

Ser jovem demais não existe, mas ser velha demais tem acontecido bem mais cedo.

Retratar essa mulher, do jeito que ela é, no cinema, nos anúncios, programas de TV, desenhos infantis, moda, histórias e tudo o que for narrativa é o único caminho para ela ser, finalmente, enxergada e, oxalá, deixar de se sentir invisível.

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