Trabalho invisível no mercado é entrave para a equidade
As mulheres também tendem a dedicar mais tempo a tarefas que fogem do seu escopo do que os homens, o que representa trabalho não remunerado
Trabalho invisível no mercado é entrave para a equidade
BuscarAs mulheres também tendem a dedicar mais tempo a tarefas que fogem do seu escopo do que os homens, o que representa trabalho não remunerado
4 de dezembro de 2023 - 9h02
Nas últimas semanas, recebi muitas mensagens e menções nas redes sociais por conta de um artigo que escrevi há um ano aqui para a coluna e que voltou à tona por conta do tema da redação do Enem. Falei sobre a carga mental da maternidade e sobre o trabalho invisível em torno disso. Como disse naquela época, mesmo após uma (pequena) parcela dos homens entenderem que a tarefa do cuidado da casa e dos filhos deve ser dividida igualmente, o que se divide, na prática, é a execução dela. O planejamento, a gestão e a responsabilidade em si continuam, em grande parte, com as mulheres.
O tema da redação do Enem sobre “desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil” abrange outras questões além da maternidade. Um aspecto ainda pouco discutido é que o trabalho invisível não se restringe ao lar. Infelizmente, ele não termina quando as mulheres saem de casa para o trabalho ou iniciam a jornada remota no computador. Em seus locais de trabalho, as mulheres também tendem a dedicar mais tempo a tarefas que fogem do seu escopo do que os homens, o que representa trabalho não remunerado relacionado a “tarefas domésticas” desses ambientes.
E quais trabalhos são esses? São uma mescla de atividades e soft skills vitais para manter a cultura da empresa e o bom clima entre a equipe, mas que não são vistas como estratégicas e, portanto, trazem pouca ou nenhuma valorização profissional. Pense: quem organiza os eventos para celebrar as conquistas do time? Quem arrecada dinheiro para enviar um mimo de aniversário a um colega? Quem planeja momentos de descontração ou de team building? Quem pergunta a um membro do time se está tudo bem quando aquela pessoa está com uma postura diferente do normal? Provavelmente você vai responder o nome de uma mulher.
Os exemplos dessas tarefas cotidianas de escritórios não são apenas sociais, e podem ser administrativos também. Em geral, são as mulheres que fazem anotações e depois enviam a ata das reuniões. Também somos nós que costumamos liderar grupos de afinidade voltados para a Diversidade & Inclusão. Na L’Oréal, por exemplo, das 5 redes de afinidades que temos, que atuam em questões como raça, gênero, LGBTQIAP+, pessoas com deficiência e gerações, somente duas delas têm lideranças masculinas. E sempre ao lado de co-liderança femininas.
Exemplos como esses indicam que, apesar dos avanços significativos das mulheres em cargos de liderança, continuamos a ter trajetórias de promoção muito diferentes. Como bem ressaltou uma das autoras do 2021 Women in Workplace Report (Relatório Mulheres no Local de Trabalho de 2021), “quando uma mulher líder fornece apoio emocional aos membros da equipe durante um período de crise, isso pode ser classificado como ‘cuidado’ em vez de ser reconhecido como uma forte gestão de crise”.
É claro que tem muito machismo estrutural nisso tudo. Até porque se presume que as mulheres tenham uma capacidade natural para executar esses tipos de trabalho. Mas a realização de funções além do seu escopo em prol do bem-estar geral no seu ambiente de trabalho gera ainda mais sobrecarga para as mulheres, que muitas vezes vão para casa prestar mais horas de trabalho doméstico invisível, num ciclo sem fim…
A escritora, CEO e Diretora Criativa da Obvious, Marcela Ceribelli, bem apontou em seu livro: “Nessa cultura que entende que as mulheres devem se colocar em segundo plano para realizar o trabalho, muitas vezes invisível, de manter o bem-estar de todos ao seu redor, a ambição se encaixa como um desejo egoísta, mesmo que os frutos sejam compartilhados por todos a seu redor”.
Não podemos negar que temos tido muitos avanços em termos de equidade salarial e de oportunidades entre homens e mulheres, mas ainda temos uma longa jornada pela frente. Precisamos, cada vez mais, reconhecer e falar sobre essa expectativa desproporcional de que as mulheres realizem trabalhos invisíveis também no local de trabalho. E, quem sabe, construir a confiança necessária para impor nossos limites, cada uma no seu tempo. Porque, no final das contas, as únicas pessoas que ficam incomodadas quando você estabelece limites são aquelas que se beneficiavam da falta deles.
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