Opinião
A Coca-Cola, o BBB e o falso negativo
Quando você vira o alvo de seu público-alvo, é tentador cair na armadilha de cortar verbas, silenciar as redes e tratar o acontecido como uma crise
Quando você vira o alvo de seu público-alvo, é tentador cair na armadilha de cortar verbas, silenciar as redes e tratar o acontecido como uma crise
19 de fevereiro de 2021 - 14h25
Prova do Big Brother Brasil 2021, patrocinada pela Coca-Cola (Crédito: Reprodução)
Assim como eu, você e a Karol Conká, os robôs também mentem. Mais precisamente, aqueles que medem a temperatura de assuntos no Twitter para entender determinado tema. Eu pensaria duas vezes antes de estruturar os próximos passos de uma marca exclusivamente com base na palavra deles.
A falta de sensibilidade da máquina, tal qual um olhar humano desatento, não diferencia sentimento negativo de ironia. Natural: a ironia mora nas sutilezas. E o Twitter é irônico demais para ser analisado por algo ou alguém incapaz de detectar isso.
A dificuldade em separar alhos (sentimento negativo) de bugalhos (ironia) pode gerar, parafraseando infectologistas, um diagnóstico de “falso negativo”. Enquanto se pensa que uma marca está tendo a reputação bombardeada, ela está, na verdade, só sendo o gatilho, a escada, para uma série de piadas pouco nocivas. Um Dedé Santana dos tuiteiros.
A prova do líder da Coca-Cola no BBB é um ótimo caso para observar isso. Por ironia do destino e tristeza geral da nação, Karol Conká, a nova Geni da internet, levou a liderança. Rapidamente, o Twitter foi à loucura com o que parecia – mas não era – uma revolta generalizada contra a marca mais famosa do mundo.
Marcas como Guaraná Antarctica e Pepsi entraram na conversa com divertidos posts provocativos, e esta segunda marca chegou até os TTs, embora com menos menções do que a Coca, ao contrário do que li em algum site, já que o site não computou todas as grafias de Coca-Cola, além de só ter contado menções de um período menor do que o total.
Em paralelo, tweets como “te odeio Coca-Cola” e “a Coca acabou com o otimismo no país” se multiplicavam. Foi o bastante para que especialistas de sofá, com suas duvidosas ferramentas de análise, decretassem a derrota da marca no episódio e o fracasso (ou a flopada) da ação. Discordo desse ponto e acho possível provar o falso negativo.
Vejam um post feito após o ocorrido: “Coca engorda. F*-se. Cortei. Vou pra Pepsi”. Na ótica do robô, que se guia por termos, e na ótica de pessoas menos atentas, ele é computado como negativo para a Coca-Cola e positivo para a Pepsi, o que não procede. Pelo contrário, eis um exemplar de falso negativo por conta de ironia.
A lógica também vale para os tweets de “te odeio”, “nunca mais”, “vai pra pqp”. Eles cumprem o mesmo papel das respostas que você dá a um amigo que te prega uma peça. Eu mesmo conheço fãs de Coca que xingaram por esporte. Todos sabem que a marca não é culpada, mas aproveitaram o ocorrido para rir dela e com ela (do jeito peculiar que o Twitter ri das coisas). É completamente diferente de “governante fulano é genocida” ou “tal supermercado é racista”, descontentamentos com origens claras e relevantes.
Quando você vira o alvo de seu público-alvo, é tentador cair na armadilha de cortar verbas, silenciar as redes e tratar o acontecido como uma crise. Mas esse passo, pelo contrário, é uma declaração de mea-culpa. O melhor é justamente o oposto: abraçar o capeta e aproveitar a onda poderosa do falso negativo para engajar e se aproximar do público com linguagem nativa da rede. Aliás, a guerra de posts das marcas e dos usuários foi deliciosa de acompanhar.
Os próximos dados de market-share, vendas e preferência certamente mostrarão a irrelevância do fato, já que não se trata de um verdadeiro sentimento negativo. Pelo contrário: o que há de concreto é uma das ações mais barulhentas e relevantes de todos os BBBs e um baita case de sucesso. Afinal, agora, todo mundo conhece bem as novas latinhas com letras.
Sobre o consequente sucesso dos rivais, isso também é característico dos líderes: a capacidade de puxar toda a categoria pra cima e apanhar sem sentir, como um irmão mais velho se esquivando do irmão menor na briga. Todas as marcas ganharam, nenhuma mais do que a Coca-Cola. Talvez a marca Big Brother, mas isso são outros 500.
Enquanto finalizo o texto, Nego Di, o Sancho Pança da rapper curitibana, é eliminado com 98,76% de votos, o que mostra a ausência de grandes danos da ação em questão. E ainda abre caminho a uma sequência de novas e ácidas postagens, bem do jeito que o Twitter e o diabo gostam.
PS: Tenho tranquilidade de falar deste trabalho sem soar pedante, pois, apesar de atender a conta, a David, minha agência, não tem envolvimento na ação.
*Crédito da foto no topo: Cassi Josh/ Unsplash
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