A culpa é de quem manda

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Opinião

A culpa é de quem manda

Visão de curto prazo foi matando as grandes estruturas dos meios de comunicação, que acordaram tarde para o digital


2 de setembro de 2021 - 6h00

A crise dos meios de comunicação não é tão complexa como parece. Desde a grande depressão de 2008/2009, os sinais estavam claros que a fórmula outrora infalível de publicidade + circulação, dos meios analógicos, tinha dias contados. A partir de 2015, todos os veículos do Brasil sentiram no bolso que a onda não era apenas uma marola. Muitos começaram a se afogar na maré digital um pouco antes.

Mas onde está o problema?

Na atuação conservadora dos gestores, sem dúvidas. Quando a audiência começou a diminuir, a primeira providência foi reduzir preço de assinaturas e incentivar promoções. Quando a publicidade também foi minguando, a solução parecia uma cópia: reduzir preço e fazer promoções. E, claro, cortar custos, para a conta fechar.

Essa visão de curto prazo foi matando as grandes estruturas dos meios de comunicação. Rapidamente os veículos tinham conteúdo irrelevante, audiência em baixa e publicidade subsidiada. Tudo o que sepulta um jornal, um canal de televisão ou uma rádio.

De repente, sem saídas, esses mesmos gestores determinaram a aceleração da “transformação digital”. Mas aí, salvo exceções que souberam montar uma estratégia a tempo, a decisão veio tarde. O mundo já estava digital, enquanto os veículos ainda estudavam a transformação, cuidando para não perder receita dos meios analógicos, em um absurdo medo de canibalização. Tremendo engano.

A consequência direta desse erro é o fechamento de marcas tradicionais e os balanços no negativo para a enorme maioria dos meios de comunicação. Só em 2021, pelo menos quatro impressos importantes deixaram de circular no Brasil. Todos tentaram enganar o leitor em um último e desesperado movimento, informando que deixaram o papel para serem modernos, para acompanharem a jornada da audiência. Mentira. Abandonam o papel porque não souberam entender para que serve o impresso. Ofereciam produtos antiquados, irrelevantes e sem valor – e queriam cobrar por isso.

Todos os veículos do Brasil sentiram no bolso que a onda não era apenas uma marola. Muitos começaram a se afogar na maré digital um pouco antes (Créditos: Roman Kraft/Unsplash)

Os bancos, por exemplo, entenderam que digital era realidade e abraçaram a causa. Perderam espaço para fintechs, mas agora fazem de tudo para manter a carteira de clientes – seguindo a cartilha dos serviços digitais, como manda a modernidade. Imobiliárias também facilitaram a vida dos clientes – e quase perderam a relevância, com o avanço dos classificados digitais. Agências de viagem quase sumiram, uma vez que a nova realidade das viagens é a relação direta companhia aérea/hotel/cliente, sem intermediários. Mas os gestores das empresas de comunicação insistiam – e ainda insistem – em dificultar a vida do cliente. E assim perdem espaço e assistem a lenta morte de suas marcas.

Ser digital não significa apenas colocar os conteúdos em um meio digital. Nem exagerar na exposição em redes sociais para colecionar mais “likes” e seguidores. Tudo isso não leva a nada. Sem uma bem definida estratégia, uma maneira inovadora de buscar receita, nada funciona. O exemplo largamente utilizado do The New York Times, que hoje tem oito milhões de assinantes, não vale para as demais empresas. Nunca se chegará a números parecidos fora de uma sociedade como a americana e sem um produto como o NYTimes. Não há espaço para concorrentes, simples assim.

Qual a saída, então?

1. Identificar o nicho de atuação, o público-alvo, e trabalhar para ele, conquistá-lo com relevância. Se houver esse grupo bem identificado e conquistado, as várias formas de receita estarão ao alcance da mão;

2. Adotar o espírito de startup, ou seja, ter o tamanho que o negócio exige. Nem mais, nem menos. Mas acabar com os pesos que uma empresa de comunicação costuma carregar;

3. Praticar o bom jornalismo, com ética, inteligência e opinião. Não ter medo de tomar posição e manter a coerência;

Tudo isso, aliado a uma gestão que não tem medo de mudar, é claro. Ter a visão clara sobre o negócio em que se está metido é o primeiro grande passo. O definitivo é admitir que o velho modelo de negócios acabou.

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