Masters of Marketing: a transformação da jornada dos CMOs
Evento da Associação Nacional de Anunciantes reúne mais de 2 mil profissionais nos EUA para falar sobre IA e futuro

Masters of Marketing (Créditos: Reprodução/Instagram)
*Do Ad Age
Para os CMOs, as coisas não estão mais como antes — e talvez nunca mais voltem a ser. Isso ficou evidente na conferência Masters of Marketing da Associação Nacional de Anunciantes (ANA), nos EUA. O evento reuniu, na semana passada, cerca de 2,5 mil profissionais de marketing, executivos de agências e fornecedores de tecnologia e mídia no Rosen Shingle Creek Resort, em Orlando.
Historicamente, o evento traz apresentações solo de CMOs mostrando suas campanhas e estratégias de marketing ao consumidor, com vídeos inspiradores e discursos motivacionais. Este ano ainda houve bastante disso, mas também doses de realidade — principalmente sobre como a inteligência artificial mudará de forma definitiva o papel do CMO. A mensagem foi clara: adapte-se ou fique para trás.
O tecnólogo e especialista em liderança Peter Hinssen descreveu a situação como o “novo normal”.
“E a mensagem básica é realmente simples nesse novo normal”, disse durante a palestra de abertura. “Você precisa inovar quando pode, não quando precisa, porque se esperar até precisar, será tarde demais. E acredito que essa é a receita certa para a reinvenção”.
Confira abaixo um olhar mais detalhado sobre como líderes de marketing estão lidando com essa reinvenção.
CMOs como arquitetos da transformação
Grande parte das palestras no palco sobre IA teve a ver com inspiração, com palestrantes dando uma visão positiva sobre a tecnologia que está transformando os negócios. A diretora de marketing da Adobe, Lara Balazs, sugeriu que, embora o papel do CMO esteja mudando, ele será mais relevante do que nunca, atuando como maestros que orientam como as organizações utilizam a IA.
“Por muito tempo, o papel do CMO foi sobre as histórias que contamos, o impacto que causamos e o ROI que geramos”, disse a executiva. “Precisamos continuar fazendo isso, mas agora estão nos pedindo para assumir um papel maior, arquitetos da transformação. Pense no que fazem os arquitetos — eles desenvolvem o projeto, constroem, permitindo que tudo funcione em conjunto de forma bela, integrada e eficiente”.
Adotar a abordagem certa em relação à IA “não é um problema tecnológico, mas um desafio de liderança”, afirmou Shelly Palmer, consultor de tecnologia, durante uma palestra sobre o avanço acelerado da IA.
Ele comentou que a “máfia dos gerentes médios odeia isso”, já que os papéis estão sendo redefinidos enquanto agentes de IA assumem mais tarefas diárias de marketing.
“Tudo dependerá do que você sabe, do tamanho do seu conhecimento, de quão estrategicamente você pensa e da rapidez com que pensa”, disse o executivo aos CMOs. “Vocês podem arquitetar esse futuro, liderar esse futuro”.
Mesmo assim, apesar dos discursos motivacionais, havia sentimento de pessimismo e ansiedade no evento quanto ao futuro do marketing.
Uma pesquisa da Harris Poll com os participantes da conferência revelou que 44% recomendariam que jovens profissionais seguissem carreira como eletricistas, e apenas 30% sugeririam seguir carreira em marketing.
Newell Brands se aprofunda nos detalhes
Entre os chamados para os CMOs abraçarem a IA, havia uma pequena parte de conselhos mais práticos em como fazê-lo.
Melanie Huet, presidente comercial na Newell Brands, se aprofundou em como a companhia está aplicando a tecnologia, construída em torno da plataforma Adobe Firefly.
Isso inclui usar IA para criar recomendações do departamento de design para vendedores e criar personas sintéticas para ajudar a desenvolver e avaliar novos conceitos de produtos.
Melanie mostrou o design de um departamento de varejo feito por uma agência, que custou mais de US$ 50 mil, ao lado de outro criado usando ChatGPT.
“O feito pela IA é tão bom quanto, se não melhor”, disse a executiva. “E o que eu amo na versão feita com IA é que, se há algo que queremos mudar, simplesmente começamos a fazer novos prompts, e logo surge uma nova imagem.”
As contribuições de personas sintéticas de IA desenvolvidas via Firefly estão entre os prompts que impulsionam esses designs de varejo feitos com ChatGPT, afirmou ela.
Descobrimos que a IA reduziu drasticamente o tempo que precisamos dedicar à fase inicial do processo de inovação, geração de ideias, conceituação e brainstorming, enquanto melhora a qualidade do resultado final”, disse Melanie. “Reduzimos esse processo de quatro meses para cinco dias.”
Entre os ajustes feitos pela Newell, estava a adição de personas mais globais a um grupo que antes era fortemente centrado nos EUA. Melanie reconheceu, no entanto, uma limitação: o feedback obtido com humanos sintéticos não é o mesmo que o vindo de pessoas reais em grupos focais.
“O principal sobre as personas é que elas tendem a ser um pouco positivas demais”, disse a executiva. “Se você realmente quer alguém que te critique de verdade, precisa de humanos.”
O case da criatividade
Nos corredores fora da sala principal, alguns participantes expressaram certo cansaço com tantas conversas sobre IA — e pelo menos alguns palestrantes ofereceram um contraponto.
“A maior oportunidade hoje não é a IA, é a relevância”, disse Maggie Schmerin, chief advertising officer da United Airlines, durante uma apresentação sobre como a companhia aérea reformulou sua imagem com a campanha “Good Leads the Way”.
A ação abandonou os clichês do setor de viagens — como se gabar do número de destinos atendidos — em favor de uma mensagem mais centrada no humano.
Ela também destacou a abordagem ágil da United nas redes sociais, liderada por seus próprios profissionais de marketing — não por agentes de IA —, que se engajam com eventos atuais por meio de postagens, como na resposta ao show do intervalo do Super Bowl de 2025, de Kendrick Lamar.
Maggie também compartilhou as mensagens de texto que ela trocou com o time antes de decidirem fazer o post, apenas após 30 minutos da performance.
Todd Kaplan, CMO da Kraft Heinz Company, defendeu a construção criativa da marca, ao passo que destacou os esforços o Heinz Ketchup — com a ação “Draw Ketchup” e a campanha “Looks familiar.
“Em um mundo guiado por dados, é fácil se pegar focando apenas nos algoritmos”, disse Kaplan. “Mas existem muitos estudos que mostram que emoção, não informação, é o impulsionador primário de maioria dos consumidores”.
De volta ao básico
Marc Pritchard, CBO da P&G Co., defendeu a importância de campanhas que durem décadas e construam a “disponibilidade mental” destacada por Byron Sharp, autor de How Brands Grow.
Entre os exemplos citados estão a campanha dos ursos da Charmin, que já tem 25 anos, e o marketing da Old Spice. O ator Isaiah Mustafa retornou às campanhas da Old Spice neste ano — incluindo a divulgação de uma linha de fragrâncias inspiradas na NFL — após mais de uma década aparecendo apenas ocasionalmente nas ações da marca.
post da charmin
Kaplan fez um argumento semelhante: “Você precisa reforçar seus valores centrais para manter essa estrutura de memória viva na mente do consumidor, adicionando novos pontos sobre os antigos à medida que eles começam a envelhecer, empoeirar e desaparecer”, disse o executivo. “Mas as marcas são coisas vivas e que respiram, então é preciso mantê-las atualizadas.”
“Eu diria que, se uma marca ou equipe fica muito focada em prêmios, isso pode incentivar a apenas criar coisas, e levar à inconsistência.”
Pritchard reconheceu que os ursos da marca Charmin provavelmente não ganharão muitos prêmios de criatividade, mesmo que a campanha tenha construído uma marca de US$ 5 bilhões, líder em sua categoria.
Ele afirmou, em entrevista, que prêmios criativos, nos quais a novidade é valorizada, podem ser inimigos da consistência.
É possível ter ambos, é claro. O CEO da WPP Media, Brian Lesser, fez uma defesa pelo retorno ao básico, em alguns pontos semelhante à de Pritchard, durante sua palestra no Masters.
Ele afirmou que a IA permite melhor segmentação e otimização criativa, o que de fato impulsiona uma mudança “da ativação tática para o design de ecossistemas de longo prazo.”
Segundo Lesser, isso inclui “construir mundos duradouros, contínuos e atemporais, não apenas rápidos.”
Lesser também citou o exemplo da Dove, da WPP e da campanha “Beleza Real”, com mais de duas décadas, que teve seus esforços impulsionados por IA e que, inclusive, ganhou o Grand Prix em Cannes.
ANA tenta mudar com o tempo
À medida que seus membros são afetados pela velocidade vertiginosa das mudanças na indústria, a própria ANA também busca se adaptar, tentando se manter relevante em meio ao avanço da inteligência artificial, que está forçando departamentos de marketing a treinar suas equipes para essa nova realidade.
A ANA tentou atender a essa necessidade ajustando a fórmula tradicional da conferência, equilibrando sua programação habitual de estudos de caso com conselhos mais práticos e incentivando uma participação mais ativa.
Inspirando-se na conferência Possible, da MMA, o evento deste ano contou com intervalos chamados de “Power Networking” em um dos salões, nos quais os participantes eram conectados por meio do aplicativo ANA Events.
A ANA também deu mais destaque às plataformas de tecnologia que estão por trás de grande parte dessas transformações. Por exemplo, Nicola Mendelsohn, head global de negócios da Meta, entrevistou a criadora de conteúdo e modelo Haley Kalil, que buscou oferecer conselhos às marcas sobre como trabalhar com criadores.
Isso é algo comum na maioria das conferências do setor atualmente, mas é um território relativamente novo para o Masters, onde normalmente os CMOs são as principais estrelas do palco.
“Vocês não estão sozinhos nisso”, disse o CEO da ANA, Bob Liodice, em seu discurso de abertura. “Não importa onde você se encaixa em sua comunidade — marcas, agências, emissoras, consultores, plataformas, editoras, mídia, tecnologia, governança ou educação — a ANA está com você. Seus colegas estão com você. Estamos construindo um futuro que funcione para todos nós, não apenas para alguns.”
Alguns participantes que não eram profissionais de marketing deram avaliações mistas sobre o evento.
Um executivo de agência de mídia disse que não percebeu grandes mudanças em relação a anos anteriores em termos de inclusão, mas não teve reclamações.
Já um executivo de uma empresa de mensuração comentou que também não notou muita diferença, exceto por encontrar menos prospects de marketing disponíveis para apresentar propostas do que em outros anos.
Segundo ele, o Power Networking não ajudou — com base no feedback de sua equipe, o aplicativo não funcionou bem na hora de organizar os encontros.
Gastos com mídia e eliminação de desperdício
Liodice desafiou os profissionais de marketing a se aprofundarem na cadeia de suprimentos de mídia e eliminarem parte das ervas daninhas.
“Você realmente entende como funciona a cadeia de suprimentos da mídia digital?”, perguntou o executivo. “Você sabe como aproveitar melhor as plataformas de demanda e de oferta? Sabe quanto desperdício está enterrado no espaço da mídia programática? Entende como tudo isso funciona para eliminar essas práticas ineficientes?”
Ele prosseguiu com perguntas semelhantes sobre qualidade de dados, mensuração entre mídias, ferramentas martech e a preparação das equipes de gestão de mídia para lidar com essas questões.
Segundo ele, deixar de agir nessas frentes pode minar o potencial de crescimento, já que cada ponto percentual de perda pode representar US$ 500 bilhões em receita perdida no setor como um todo.
Mais tarde, em uma sessão de perguntas e respostas com Liodice, Lesser apoiou os esforços da ANA em simplificar processos e “minimizar o número de intermediários” nas transações de mídia.
“Acredito que cabe às agências reduzir isso e também lançar luz sobre áreas que podem ter sido importantes no passado, mas que talvez não sejam mais no futuro”, disse Lesser. Ele acrescentou que agentes de IA podem reduzir muito da complexidade, aumentando assim a eficiência e o desempenho.
Agências apresentam seus pitches
Lesser estava entre as dezenas de líderes de agências presentes, muitos dos quais aproveitaram o evento para se reunir e prospectar clientes.
O Publicis Groupe patrocinou uma sessão de café da manhã sobre como a IA vai transformar os departamentos de marketing, liderada por Linsey Loy, head de crescimento estratégico, e Ray Lansigan, líder de estratégia corporativa.
“Essa é uma mudança em nível corporativo — agora todos vocês estão liderando a jornada da IA no marketing e poderão se promover em toda a estrutura executiva, incluindo operações, jurídico, TI e finanças”, disse Loy.
A WPP conseguiu um dos horários principais para a apresentação de Lesser. Ele previu que, até 2030, o planejamento e investimento em mídia serão totalmente automatizados pela IA.
“Suas equipes precisam se concentrar em estratégia e em entregar resultados de negócios, enquanto a IA cuida da execução tática”, afirmou.
Depois, ele fez um gancho comercial explicando como a WPP pode ajudar nessa transição, citando a renovação de cinco anos da parceria com o Google, que inclui US$ 400 milhões investidos em tecnologias da empresa, voltadas a criar soluções personalizadas de IA para os clientes.
Agências estão buscando ser relevantes ao passo que profissionais de marketing executam mais tarefas in-house, enxergando as agências como especialistas em trabalhos mais limitados. Isso inclui a General Motors, que está construindo fato sua mídia interna quanto estratégias do time de marketing.
Norm de Greve, líder de marketing na GM, descreve essa atitude como uma nova visão que vai de “comprador” para “criador”.
“Queremos trazer estratégias de marca, mídias sociais e análises para dentro da GM, enquanto mantemos as agências focadas em criatividade e o que fazem de melhor”, disse o executivo.