O que vem depois da pandemia?
Tiago Mattos, futurista da Aerolito, fala sobre o avanço da revolução biotech, o teste de coletividade vivido pela humanidade e os aprendizados pós-quarentena
Tiago Mattos, futurista da Aerolito, fala sobre o avanço da revolução biotech, o teste de coletividade vivido pela humanidade e os aprendizados pós-quarentena
Luiz Gustavo Pacete
17 de março de 2020 - 12h55
Imprevisibilidade. Essa foi uma das palavras que imperaram, recentemente, em relatórios, análises, artigos e matérias relacionadas à pandemia de Covid-19 e o efeito sem precedentes na economia e na mudança de hábitos de pessoas, empresas e países. Tiago Mattos, futurista do laboratório de tendências Aerolito, explica que passado o período pandêmico, é provável que haja uma aceleração dos avanços da biotecnologia em busca da contenção de futuras pandemias. Além disso, Mattos também enxerga que o efeito causado pela doença pode mudar a lógica de competição das empresas para cooperação e pontua, nesta entrevista, outros aprendizados que podem ser tirados da atual situação.
Imprevisibilidade
A imprevisibilidade é um fenômeno que acompanha a humanidade desde sempre. A diferença é que, agora, acontecimentos com alto impacto (muitas vezes, em escala global) acontecem em intervalos mais curtos. Pelo contexto que estamos vivendo, é natural que façamos uma associação direta entre ‘imprevisibilidade’ e ‘um surto de coronavírus que ninguém esperava’. Mas eu proponho uma leitura diferente. O surpreendente, neste caso, talvez não seja a rapidez da disseminação do Covid-19 em si. O que mais surpreende é o potencial que a humanidade tem de, operando em conjunto, resolver esse problema com danos mínimos.
“Eu, na posição que estou, faço algo relevante para o mundo? Minha empresa, na posição que está, faz algo relevante para o mundo? A vulgarização do termo propósito trouxe um senso de urgência de se assumir uma missão que vá além da própria organização”
Coletividade
Há um enorme potencial para que a humanidade, pela primeira vez na história, opere de forma verdadeiramente colaborativa entre todas as nações. Coisa que, há 50 anos, há cem anos, seria impossível em razão da falta de tecnologia de comunicação. Será que nós, como nação global, seremos capazes de colocar em prática esse potencial? Só saberemos com distanciamento histórico. Mas que ele existe, existe. Portanto, quando futuristas como Amy Webb falam sobre ‘imprevisibilidade’, eu olho muito menos para o vírus em si e muito mais para as improváveis relações que estão se coordenando em prol da resolução do problema. Talvez nasça daí algo que poucos estão olhando com atenção.
Health Science
Há uma nova corrida espacial em curso. Uma corrida espacial genética, onde EUA e China disputam palmo a palmo quem será a nação líder em edição de DNA e em nanorrobôs que podem administrar drogas dentro do corpo humano. Não se pode afirmar com certeza em qual grau de evolução os cientistas dos dois países estão. O que se sabe é o que chega na mídia – e que, por si só, já nos mostra um horizonte de saúde muito diferente do que vivemos hoje. Acredito que, vencido o surto de coronavírus, teremos ainda mais investimentos para acelerar essa corrida. Uma vez que essas duas nações foram extremamente afetadas pela infecção, é natural imaginar que, ao se resolver a pandemia, surjam grupos de trabalho focados em soluções preventivas.
“Outra reflexão interessante é tentar entender por que se falava tanto de squads e metodologias ágeis antes do coronavírus. Justamente para que as empresas consigam se reorganizar rapidamente em cenários complexos como o que estamos vivendo”
Reorganização
Há muitos aprendizados que as lideranças podem tirar deste momento atípico. Uma reflexão que podemos fazer é: em razão do surto, há a clara necessidade de flexibilização de horários, de processos e da presença física no escritório. Se as empresas conseguirem operar de maneira eficiente dentro deste contexto mais fluido, ela devem se perguntar: por que não mantemos assim quando o coronavírus passar? Outra reflexão interessante é tentar entender por que se falava tanto de squads e metodologias ágeis antes do coronavírus. Justamente para que as empresas consigam se reorganizar rapidamente em cenários complexos como o que estamos vivendo. Entender que as lideranças, agora, são circunstanciais e rotativas – e não mais estáticas (resultado de um direito adquirido) – é uma lição importante que a crise econômica nos trará.
Propósito
A sensação de impotência perante a disseminação da infecção também pode ser um ótimo espaço para o auto-questionamento. Eu, na posição que estou, faço algo relevante para o mundo? Minha empresa, na posição que está, faz algo relevante para o mundo? A vulgarização do termo propósito trouxe um senso de urgência de se assumir uma missão que vá além da própria organização. Uma causa maior. Mas isso, quando é apenas comunicação, não resolve nada. O propósito é a antessala do legado. Propósito sem legado é apenas egotrip. Talvez, o coronavírus escancare a relevância das pessoas e das empresas nesse cenário de revisão de prioridades. E, por consequência, as obrigue a pensar se esse propósito é uma intenção genuína, que verdadeiramente direciona os rumos do negócio.
Abundância
A tese de Peter Diamandis diz que toda tecnologia revolucionária começa a um preço exorbitante. Mas, com o tempo, vai se tornando acessível e ubíqua. O mundo está longe de ser perfeito. Mas há sinais para acreditar que estamos a caminho desse eldorado. Portanto, ao ver o sistema de saúde da Itália entrando em colapso, é natural pensar que a tese de Diamandis não tem o menor sentido. Mas quando você entende a consistência da curva ao longo da história, a discussão ganha um tom mais profundo – e, na minha visão, acurado. Outro aspecto da abundância que tem tudo a ver com coronavírus é a Lógica da Escassez. O porquê de a sua saúde é a saúde de todos. O porquê de ir ao supermercado fazer um estoque de comida é o contrário do que a abundância sugere.
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