Mídia

Aos 100 anos, O Globo aposta em IA e novas receitas

Jornal fatura mais de 50% com formatos digitais e mira na personalização via IA e na geração Z

i 29 de julho de 2025 - 6h01

O Globo completa 100 anos nesta terça-feira, 29, de olho no próximo centenário, como evidencia a campanha de comemoração da data, em circulação neste mês. Com o conceito é “100 anos de história. Ano 1 de futuro”, o trabalho, idealizado pela Asia, aborda temas como a habilidade de reinvenção do jornal, além de iniciativas marcantes, como a criação do Dia dos Pais, em 1953, e o apoio direto aos primeiros concursos de escolas de samba do Rio de Janeiro, na década de 1930.

O Globo completa 100 anos nesta terça-feira, 29

Capas históricas de O Globo, que completa 100 anos nesta terça-feira, 29 (Divulgação)

A celebração dos 100 anos contou com vários eventos ao longo de 2025. Na semana passada, houve o lançamento do livro Um século de histórias. Com curadoria de Míriam Leitão e prefácio de Alan Gripp, diretor de redação do jornal, a obra reúne 11 jornalistas que ajudaram a construir a reputação do jornal. O aniversário de um século do jornal também foi o mote para a série O Século do Globo, feita por Pedro Bial, que foi exibida na TV aberta e está disponível no streaming Globoplay.

Segundo o diretor-geral da Editora Globo e do Sistema Globo de Rádio, Frederic Kachar, a longevidade é resultado de “muita disciplina com a própria essência e valores”. O compromisso com a informação, a educação da sociedade e o que chama de “obsessão pela inovação tecnológica” são apontados como alguns desses trunfos na trajetória do periódico.

“Houve vários momentos em que O Globo foi pioneiro, como na transmissão de fotos, adoção de cores no jornal e na criação de eventos. Só chegamos até aqui justamente pela disciplina, pela capacidade de antever mudanças na sociedade e por nos obrigarmos a desenvolver novas formas de manter essa essência viva”, diz.

A reformulação seguiu as necessidades impostas pelo tempo, ressalta o executivo. Da época em que o impresso representava a totalidade da receita ao impacto da internet, com implementação de assinatura online, e popularização dos smartphones, uma série de novos produtos foi, gradativamente, criada pe- lo jornal, que viu o faturamento digital crescer a partir dessa diversificação de soluções oferecidas ao mercado.

Receita de O Globo

Em termos de faturamento, a avaliação da sustentabilidade do veículo ocorre a partir de dois conceitos: receita legada e receita nova. O legado, como o próprio nome indica, diz respeito ao que está relacionado ao papel, o que inclui iniciativas como branded content. Já a receita nova resulta de tudo aquilo que é construído no ambiente digital e de experiências, que é o caso dos eventos.

Kachar afirma que, com a inegável queda da adoção do papel como plataforma de leitura de notícias no mundo inteiro, mais de 50% dos ganhos atuais de O Globo estão associados a novos formatos digitais. Mesmo assim, acrescenta, sem especificar percentuais, os resultados do impresso também apresentam crescimento.

O Globo e seu parque gráfico

Parque gráfico de O Globo (Crédito: Divulgação)

“Para o caso de publicidade, estudamos e testamos hipóteses de como criar proposta de valor nesse ecossistema digital mais amplo e complexo. Agora, a inteligência artificial (IA), talvez, seja a maior complexidade de todos os tempos. Ela vai bagunçar o tabuleiro todo de redes e o nosso foco é como manter relevância em todos esses ambientes”, comenta.

Nesse contexto estratégico, a regra básica é óbvia e bastante conhecida no histórico do jornal: ninguém vai pagar por algo que é oferecido gratuitamente pela concorrência. “À medida que surgem novos territórios, somos forçados a pensar em como criar conteúdo que engaje, que o consumidor veja valor e que não esteja disponível grátis no vizinho. É nisso que estamos debruçados no momento”, diz o diretor-geral da Editora Globo e do Sistema Globo de Rádio.

Posição do papel

Mesmo sem falar em prazos, o executivo é direto ao dizer que a edição impressa jamais será subsidiada, questão sempre levantada em relação ao futuro do papel na estratégia de O Globo. Ou seja, o fim da publicação física ocorrerá quando ela não fizer mais sentido econômico para a companhia.

“Entendi que a pergunta que eu deveria me fazer não era quando o impresso vai acabar, mas se O Globo continuará existindo sem o papel e, desde meados de 2010, estamos avaliando o nosso negócio nesse sentido. O que posso dizer é que já reunimos volume de diversificação de receitas que nos permite tocar mais 100 anos sem o papel, porque direcionamos nossa estratégia para não depender de nenhuma plataforma específica”, assegura.

Ainda que a circulação física se extinga em algum momento, Kachar acredita que a organização das reportagens em uma edição digital terá vida mais longa, conforme o monitoramento da base de assinantes. “Produzimos muito mais conteúdo do que sai no nosso impresso. O que está lá é uma curadoria do que achamos importante e temos visto que as pessoas gostam dessa organização”, salienta.

Redação de O Globo

Redação de O Globo utiliza inteligência artificial em tarefas que não precisam de sofisticação intelectual, diz Kachar (Crédito: Divulgação)

Sobre a modernização do periódico, O Globo lida com a IA sob duas perspectivas. Uma é interna, para fins de aumento de produtividade, especificamente em atividades “de baixo valor agregado ou sofisticação intelectual”, prática adotada, de acordo com o executivo, por todo o Grupo Globo. A segunda perspectiva engloba estudos de como a tecnologia pode ajudar a criar possibilidades de produtos, sempre sob supervisão humana. No ano passado, por exemplo, o jornal lançou o projeto Irineu, que incluiu nas matérias do site um botão para que, por meio de IA, os leitores conseguissem acessar um resumo curto dos textos.

Além disso, na Editora Globo, o site do jornal Valor já pode ser traduzido para inglês por meio de aplicação da ferramenta. “A IA vai nos possibilitar uma coisa que tentamos há muito tempo e que, agora, vai para outro patamar: a personalização da jornada. Será quase como um jornal customizado para cada um, porque vamos poder ir com mais profundidade nas referências e modelos preditivos”, diz Kachar.

O otimismo, porém, depende do estabelecimento dos padrões regulatórios, principalmente pelo fato de o setor lidar com propriedade intelectual e direitos autorais. Com isso, enquanto não se resolve essa parte mais crítica, a implementação das ferramentas caminha no terreno mais óbvio, que é o ganho de produtividade e melhoria de produto. “Em qualquer negócio que tenha propriedade intelectual, precisamos ter algum grau de proteção”, afirma o executivo.

Novas gerações

Outro ponto de atenção que ganha relevância atualmente é a relação do jornalismo com as novas gerações. Para Kachar, ainda que a estética seja uma premissa, o compromisso maior sempre foi com a precisão da informação, abrangência da apuração e qualidade do conteúdo, o que é de se esperar de uma empresa composta por jornalistas.

Entretanto, uma das lições aprendidas com o sucesso dos creators nas redes sociais é a maneira de se comunicar intimista, humana e capaz de engajar a comunidade. “Para a geração Z (GenZ), a forma é muito importante. Sem perder todos os nossos valores editoriais, estamos mais preocupados com isso agora”, diz.

A forma encontrada para trabalhar essa aproximação com a GenZ foi incluir esse tópico nos programas de estágios e trainee. Assim, em vez de avaliar apenas a competência da escrita dos candidatos, há dois anos a seleção passou também a examinar a aptidão de comunicação nesses territórios, interiorizando dessa forma o tipo de competência.

“O que nos falta e que estamos no caminho é saber as linguagens. Não adianta estar no TikTok ou YouTube com uma linguagem que não é apropriada para aquele ambiente. Esse é o caminho para atrair as novas gerações. Temos que ter versatilidade, mas sem nunca abrir mão dos nossos valores”, afirma Kachar.