Os impasses tecnológicos entre Brasil e Estados Unidos
Postura do Brasil em relação a big techs influencia no tarifaço, mas pode ser moeda de negociação com os EUA
Além de ter alegado um déficit comercial na relação com o Brasil, o presidente Donald Trump também justificou a imposição de tarifas de 50% sobre importações brasileiras com base em “ataques contínuos do Brasil às atividades comerciais de empresas norte-americanas”, conforme indica carta enviada pela Casa Branca no início de julho, à época do anuncio do tarifaço.

Regulamentação das tecnologias e soberania de dados é uma das questões envolvendo a relação entre o Brasil e os EUA (Crédito: phunkod-shutterstock)
O capítulo mais recente envolvendo o governo brasileiro e as big techs foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de ampliar a responsabilização das redes sociais por postagens ofensivas de terceiros. Os ministros reconheceram a inconstitucionalidade parcial e progressiva do artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI), que exigia ordem judicial específica para responsabilização civil de plataformas digitais por postagens do tipo.
“O problema das big techs não é a taxação, mas a regulação e limitações para sua operação no Brasil”, alerta Leandro Tessler, professor da Unicamp e gestor científico de educação e difusão do conhecimento no Centro de Pesquisa em Inteligência Artificial – Brazilian Institute of Data Science (BI0S). “O Brasil não abre mão de regulação desse espaço e isso tem implicações financeiras muito importantes no meio, e o governo Trump está muito próximo das big techs”, indica.
As big techs se destacaram na posse do republicano em janeiro, por meio de doações à cerimônia e líderes marcando presença no evento.
Em resposta ao tarifaço, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já havia declarado a pretensão de julgar e cobrar impostos das norte-americanas. Recentemente, o PL Elon Musk reacendeu o debate ao propor uma cobrança de 7%, das empresas que tenham receita bruta anual maior de R$ 500 milhões.
Tessler lembra que varejistas como a Amazon já são taxadas pesadamente em vendas. “Sempre foi assim no Brasil, que tem uma economia bastante fechada”, alega.
Mas o que entra em xeque na equação é a soberania de dados. “Para a operação das big techs no Brasil, o grande asset é a população grande e usuários de hightech. É um mercado grande para anunciantes, relevante na composição de valor e o no quanto vale a presença das big techs aqui”, salienta Tessler, defendendo não haver saída fácil para a questão, visto que o debate é político, não econômico.
Em contrapartida, Marcelo Coutinho, professor da EAESP/FGV, concorda que o Brasil é um mercado importante, mas não indispensável para a operação da organizações. “Em termos de dólar, quanto o Brasil representa da receita do Google, do Facebook? É dinheiro, mas olhando para o conjunto total, nós somos a quarta, quinta, sexta prioridade”, argumenta, questionado sobre os impactos de possíveis tributações do tipo sobre a operação de gigantes da tecnologia no País.
Brasil atrativo tecnologicamente
O Brasil vem investindo em um plano de se tornar um polo de datacenters, importantes para a operação de serviços em nuvem e de ferramentas de inteligência artificial. Entre os projetos estão o Rio AI City, no Rio de Janeiro; Scala AI City, em Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul; e outros dois em Maringá e Uberlândia, através da empresa norte-americana RT-One.
Além disso, o chinês TikTok irá aportar R$ 50 bilhões no Brasil para a construção de um datacenter no Ceará. Em entrevista à Folha de S. Paulo, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que o governo vem criando condições para que o estado assuma o protagonismo na recepção da infraestrutura no Brasil.
“De qualquer forma, quem está olhando para fazer esse investimento espera para ver como o Brasil vai responder. Por outro lado, a decisão de investir em outro país não é simples”, alerta Coutinho, citando questões como custo de imagem, relação como a matriz energética etc.
Futuro incerto
Ainda no que diz respeito aos datacenters, Tessler chama a atenção para o fato de que algumas big techs buscam operar no Brasil com benefícios fiscais, algo que pode ser taxado pesadamente, uma vez que podem ter consequências ambientais importantes.
Além disso, anunciantes bebem da fonte das inúmeras ferramentas de cloud, plataformas de automação e inteligência artificial, por exemplo, fornecidas pelas big techs. A publicidade dirigida também pode estar sujeita à tarifação, mesmo que ainda não haja legislação específica.
“Especificamente para anunciantes, os anúncios podem ficar mais caros devido às taxas, a ponto de tornar o negócio inviável. É uma carta pesada que o governo pode jogar, mas isso afeta somente as big techs com atividades em redes sociais e correlatos”, argumenta Tessler.
De acordo com reportagem da Globonews, Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, se reuniu com executivos da Meta, Google, Amazon, Apple, Visa e Expedia, na última terça-feira, 29, para ouvir demandas das gigantes de tecnologia. O encontro demonstra maior disposição em negociar decisões do governo local, o que poderia influenciar nas decisões do governo norte-americano.