Marketing

Os efeitos do tarifaço sobre o consumo e planejamento

Apesar de isenção de quase 700 itens, cenário de incerteza pode causar comprometer a confiança e orçamentos

i 4 de agosto de 2025 - 6h00

Na última semana, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, oficializou as tarifas de 50% sobre importações brasileiras. Além de isentar centenas de produtos dos adicionais 40%, o republicano também adiou em 7 dias o início da aplicação das taxas, abrindo margens para eventuais negociações com o governo brasileiro.

Em carta endereçada ao Brasil, no início de julho, Trump apontava que a condição para modificações de sua decisão seria a eliminação de tarifas, políticas tarifárias e barreiras comerciais.

tarifaço

Tarifas impostas ao Brasil alimentam cenário de incerteza, podendo prejudicar o consumo e planejamentos de marketing de empresas nacionais e multinacionais (Crédito: Joshua Lott/Getty Images)

Mesmo com uma decisão aquém do esperado, que beneficiou setores como o aeronáutico, de suco de laranja e minérios, por exemplo, a incerteza permanece para outros, como o de café e carne bovina.

Em um primeiro momento, produtos que ainda poderão ser taxados podem encarar uma queda de preços no mercado interno, dado o aumento de oferta resultante do excedente de produção, conforme indica Roberto Kanter, economista e professor de MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV). As reações da comunicação e do marketing podem indicar para uma valorização do produto 100% brasileiro no varejo, diz.

Ainda que a queda de preços seja atrativa à primeira vista, Marcos Gouvêa, diretor-geral da Gouvêa Ecosystem, chama a atenção para um movimento do aumento do sentimento de desconfiança por parte do consumidor, dado o cenário de instabilidade global envolvendo uma super potência como os EUA, o que pode ter impactos econômicos e inflacionários.

“Quem acompanha o assunto, evidentemente, cresce no nível de preocupação com o presente e com o futuro. A propensão a consumir tem a ver com renda, emprego, crédito e confiança do consumidor. Essa polarização política global e a dominância do termo das consequências acaba derrubando essa confiança”, afirma.

Entram em cena, então, estratégias de marketing que mirem nas garantias ao cliente e na comunicação de oportunidade, prevê Luciana Faluba, professora e pesquisadora na área de estratégia e marketing na Fundação Dom Cabral. Marcas fortes ou tradicionais também tendem a se sair melhor frente a um consumidor mais cauteloso, apreensivo, desconfiado e inseguro.

Mas a incerteza ronda também as empresas, que deverão optar por colocar o pé no freio com orçamentos mais apertados. A Adidas, por exemplo, já declarou que deverá revisar preços no mercado norte-americano e prevê um prejuízo de € 200 milhões com tarifas no segundo semestre. O tarifaço também já impede a gigante de artigos esportivos de aumentar sua previsão de resultado anual.

“Continuamos com a incerteza. Mesmo que haja a decisão de fazer acordos com a União Europeia, por exemplo, algumas empresas vão perder e outras vão ganhar. Vai depender do quanto a cadeia de produção e distribuição estão internacionalizadas. Ainda não dá para ter uma ideia clara do agregado e dos efeitos pontuais”, afirma Marcelo Coutinho, professor da EAESP/FGV.

Ele se refere às empresas têm muita dependência externa para produzir, que dependerão da resposta de mercados parceiros sobre as respectivas taxações e, na pior das hipóteses, terão que planejar os próximos passos para curto e médio prazo considerando os mais diversos cenários.

Tendências e caminhos possíveis

Já setores exportadores brasileiros devem internalizar a lição da diversificação, avançando em acordos com novos polos de demanda para reduzir a dependência de decisões unilaterais de um único parceiro comercial, defende Kanter. “Mesmo que tal negociação se concretize, o episódio altera definitivamente a percepção de risco de concentração de mercado”, diz.

E os especialistas concordam que, dado o quanto as tarifas sobre o Brasil podem afetar os negócios, é possível que a participação do setor empresarial em discussões de natureza política e econômica cresça.

“Nos encaminhamos nos próximos anos para um mundo em que os processos políticos serão cada vez mais entranhados nas decisões empresariais. Ou seja, o peso da conjuntura política, relações internacionais, entre os líderes etc, será muito maior”, entende Coutinho.

Além disso, o movimento pode ser uma sinalização para que o Brasil explore e firme laços com outros mercados. Kanter cita a aceleração da ratificação do Mercosul–União Europeia e o fortalecimento das negociações bilaterais com Índia, Indonésia e Emirados Árabes Unidos, que demandam proteína animal, aço de construção e energia. Já a região da Ásia-Pacífico é atrativa do ponto de vista de refinarias interessadas no petróleo leve do pré‑sal, o que minimizaria a exposição de exportadores ao risco tarifário norte‑americano.

“Ao criar uma barreira desse tipo, os EUA estão aproximando e empurrando o Brasil para a esfera asiática, com todo o potencial econômico natural que ele tem, especialmente no que significa a produção de alimento e outras coisas mais”, acrescenta Gouvêa.