Arena global
A oito meses do início da Olimpíada de Tóquio, patrocinadores se preparam para a sua própria competição: destacar-se no maior evento esportivo do mundo
27 de novembro de 2019 - 14h44Por Marcio Juliboni
Oficialmente, a Olimpíada de Tóquio começará apenas em 24 de julho de 2020. Mas, mesmo que a pira olímpica ainda esteja apagada e nenhum atleta esteja no estádio, um recorde já foi quebrado — e pelo próprio Comitê Olímpico Internacional (COI). Ainda em junho deste ano, o evento bateu o recorde de patrocínio local, com 66 empresas japonesas que desembolsaram, juntas, mais de US$ 3 bilhões para terem o direito de vincular suas marcas ao maior evento esportivo do mundo. Como comparação, basta lembrar que as empresas brasileiras somaram aproximadamente um terço desse valor na Olimpíada de 2016, sediada pelo Rio de Janeiro.
Impulsionando essa verba vultosa está o interesse das marcas em chamar a atenção — e conquistar a preferência — dos consumidores, em um momento em que eles estão sinceramente engajados com histórias que lhes despertam emoções, empatia e envolvimento. Não se trata apenas dos mais de 3,5 milhões de ingressos já vendidos para japoneses que desejam assistir, in loco, às competições, mas, sobretudo, dos bilhões de telespectadores alcançados pelas emissoras de televisão e plataformas online de vídeo em todo o mundo. Num relatório divulgado em julho, o COI informou que a audiência dos Jogos, na televisão, se mantém acima dos três bilhões de pessoas desde 2008, em Pequim. Já 1,3 bilhão de usuários assistem a vídeos das competições nas plataformas digitais licenciadas pelo comitê. É impossível evitar a analogia com o filósofo canadense Marshall McLuhan: tamanho poder de mobilização transforma o mundo, a cada quatro anos, numa arena global.
Não é à toa, portanto, que as marcas se preparam durante anos para conquistar esse público. “Mais do que as competições, as Olimpíadas trazem uma série de mensagens e valores que ajudam as marcas a se posicionar, como tolerância, igualdade, diversidade e sustentabilidade”, afirma Ivan Martinho, especialista em marketing esportivo e professor da ESPM. Não é preciso muito esforço para ver como esses atributos se alinham àquilo que as marcas buscam. “Os valores da Toyota, enraizados na cultura de melhoria contínua e respeito pelas pessoas, estão diretamente ligados com o espírito olímpico, que une o mundo inteiro em amizade e solidariedade”, afirma Otacílio Nascimento, coordenador de relações públicas da Toyota no Brasil.
Da mesma forma que os atletas precisam apresentar um desempenho mínimo para conquistar uma vaga nas competições — o chamado índice olímpico —, as marcas precisam preencher alguns requisitos. O mais óbvio é a escala: por ser um evento global (desde a edição de Sidney, em 2000, o COI considera que a cobertura televisiva alcança praticamente todos os países), a vantagem está com as grandes marcas conhecidas mundialmente. Isso explica por que o pelotão de elite dos patrocinadores do COI, agrupados no Programa TOP (The Olympic Partner), inclui apenas 13 parceiros. Afinal, só pesos-pesados, como a Coca-Cola, Samsung e Visa, têm fôlego para essa maratona que dá a volta ao mundo em duas semanas de competições. “Como megaeventos como as Olimpíadas demandam investimentos absurdamente grandes, as estratégias de ativação precisam ser proporcionais”, explica Anderson Gurgel, professor de marketing esportivo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Não adianta nada ter o direito de usar a marca olímpica, se você não tem cacife para potencializar isso com ações em nível global”, completa.

Cerimônia de abertura da Rio 2016: audiência televisiva dos Jogos Olímpicos supera a casa de três bilhões de pessoas desde Pequim 2008
Vitrine olímpica
A Toyota é um exemplo de como os patrocinadores se esforçam para aproveitar cada oportunidade. Como fornecedora exclusiva de soluções de mobilidade da Olimpíada, a montadora japonesa pretende transformar Tóquio em uma grande vitrine de seus veículos elétricos. A companhia já anunciou que fornecerá cerca de 3,7 mil deles para que atletas e o público em geral se movimentem, durante o evento. O número corresponde a 90% da frota estimada para apoiar os Jogos. “Pretendemos, junto com o COI, atingir o nível mais baixo de emissões, em comparação com outras frotas oficiais usadas no evento”, projeta Otacílio Nascimento. “Este objetivo está alinhado com o compromisso assumido pela Toyota de atingir as metas do Desafio Global Ambiental 2050, que visa reduzir ao máximo o impacto negativo da produção e funcionamento de veículos até o ano de 2050”, acrescenta. Não é apenas neste campo que a companhia pretende marcar pontos. A montadora também está desenvolvendo uma série de robôs para auxiliar na locomoção do público e em experiências de mobilidade virtual, durante o evento, como o Miraitowa (mascote robótico oficial dos jogos) e o T-HR3. “Os jogos são uma ótima oportunidade para apresentar soluções inovadoras”, diz.
Essa também é a avaliação da sul-coreana Samsung, uma das maiores fabricantes de eletroeletrônicos e telefones celulares do mundo. Parceira do COI há mais de 30 anos, a companhia tem o histórico de lançar edições comemorativas de celulares para cada evento. Foi assim com o Galaxy 3 Olympics Edition (Londres 2012), e o Galaxy S7 edgde Olympics Edition (Rio 2016). Em julho, a companhia lançou uma edição limitada do Galaxy S10+, inspirada nos Jogos de Tóquio. “Todos esses lançamentos foram muito bem-sucedidos e importantes para a estratégia que implementamos em momentos anteriores”, afirma Loredana Sarcinella, diretora sênior de marketing da divisão de dispositivos móveis da empresa no Brasil. Apesar de ser uma estratégia exitosa, a executiva acrescenta que, por ora, não há garantias de que novos aparelhos serão lançados. “Sempre trabalhamos em ativações pensando no público-alvo e em cada situação particular. Por enquanto, não é possível afirmar se haverá novos lançamentos com o tema”, diz. A única pista dada por Loredana é que a estratégia da Samsung envolverá também conteúdos imersivos. “Planejamos fornecer experiências inesquecíveis e imersivas para os fãs de todo o mundo”.
Experiência tecnológica
Proporcionar experiências marcantes para os consumidores é praticamente uma obrigação das marcas. Por isso, o uso de novas tecnologias digitais deve ser uma das características de Tóquio 2020. “As tecnologias digitais permitem infinitas possibilidades para construir o engajamento das pessoas em ambientes virtuais e imersivos”, explica Anderson Gurgel, professor do Mackenzie. “Você coloca uma pessoa ao lado de um Pokémon, ou do Super Mario, por exemplo. As plataformas digitais para construir experiências devem ser uma das grandes tendências dessa Olimpíada”, observa.
Os Jogos Olímpicos atraem os olhares de todo o mundo, criando grandes oportunidades de comunicação, mas também grandes desafios. “Além das experiências de produtos, serviços e ecossistemas que podemos oferecer durante os Jogos, o público espera que as marcas patrocinadoras estejam imbuídas no espírito que cerca o evento”, ressalta Loredana, da Samsung.
Outra maneira de as marcas aproveitarem o evento no mundo digital deve ser o que Ivan Martinho, professor da ESPM, chama de explorar os micromomentos. Essa tendência começou a ganhar força na Rio 2016 e deve ser reforçada no Japão, mas algumas marcas já a exploram há mais tempo. Um caso que repercutiu muito foi o da Coca-Cola. Em 2014, a marca criou uma equipe de real time marketing que reuniu cerca de 15 pessoas. Sua função era aproveitar qualquer ocorrência nos jogos que estivessem repercutindo nas redes sociais ou na mídia, para promover a interação da marca com o público.
O golaço veio, ironicamente, na traumática derrota do Brasil para a Alemanha por 7 a 1. Como se sabe, o desempenho da seleção fez com que os alemães encerrassem o primeiro tempo com um elástico placar de 5 a 0. Despreparadas para essa tragédia, as marcas veicularam, no intervalo do jogo, peças ainda exaltando o espírito de vitória da equipe. A Coca-Cola, porém, produziu um pequeno post, com um canudinho torcido dentro de uma garrafa do refrigerante, e uma frase: “Dá um nó na garganta”. Foi o suficiente para viralizar e mostrar que a marca estava atenta às aflições dos brasileiros naquele instante. “Esse caso mostra como o planejamento potencializa a exploração de micromomentos. A ideia pode ocorrer de última hora, mas a estrutura deve ser preparada antes, com o objetivo de permitir que o que aconteça no evento possa ser usado rapidamente pela marca”, diz Martinho.
A experiência dos visitantes durante a estada no Japão também é uma preocupação, especialmente para o Airbnb, que assinou neste mês um contrato e se tornou parceiro global do Comitê Olímpico Internacional (COI) até 2028. O acordo tem como objetivo criar um novo padrão de hospedagem nas cidades-sede, tanto para o público quanto para os atletas. A ideia é que a iniciativa reduza custos para organizadores, minimizando a necessidade de construção de infraestrutura de alojamento, e gere receita para anfitriões e comunidades locais.
“Nossa parceria garantirá que os Jogos sejam os mais inclusivos, acessíveis e sustentáveis que já tivemos, e deixará um legado positivo duradouro para atletas e comunidades anfitriãs”, afirmou Joe Gebbia, cofundador do Airbnb, em comunicado oficial. Em parceria com o Comitê Paralímpico Internacional, o Airbnb também viabilizará acomodações acessíveis para pessoas com necessidades especiais.
A parceria do Airbnb com o COI também prevê o lançamento do serviço Experiências Olímpicas que dará oportunidades de ganho direto aos atletas. Com estreia prevista para o início de 2020, a categoria terá opções desde a chance de treinar com um atleta olímpico até explorar a cidade com um atleta de elite. Além disso, o COI disponibilizará US$ 28 milhões em acomodações do Airbnb durante o período da parceria para atletas competindo nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos em viagens de competição e treinamento.

Novo parceiro olímpico global, Airbnb terá a partir de 2020 o serviço Experiências Olímpicas
Força Local
Embora as marcas globais larguem na frente em megaeventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, patrocinadores locais também podem conseguir bons resultados. Não é por acaso que, somente no Japão, 15 empresas locais adquiriram cotas de patrocínio ouro; 32 tornaram-se patrocinadoras oficiais; e outras 15 são apoiadoras do evento. Mesmo separadas por mais de 17 mil quilômetros do Japão e por 12 horas de diferença no fuso horário, operações brasileiras de companhias japonesas se preparam para fazer o seu melhor. Um exemplo é a subsidiária local da Ajinomoto, que anunciou, em março, uma parceria com o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) para patrocinar o Time Brasil até os jogos de Tóquio. Composta por atletas olímpicos e paralímpicos que representarão o País, a equipe participa de um programa nutricional desenvolvido pela empresa. O projeto já existe há 16 anos na sua sede, no Japão, onde conta, inclusive, com um centro de treinamento para atletas.
“Temos uma relação muito próxima ao esporte, especialmente por nosso know-how em nutrição e pelo papel que desempenhamos como principal detentor global de conhecimento sobre aminoácidos, que há anos beneficia tanto atletas de ponta, quanto entusiastas de práticas esportivas em todo mundo”, diz Priscila Santana, gerente de comunicação da Ajinomoto do Brasil. A primeira ação de ativação do programa ocorreu em abril, quando o diretor de exercício e ciência do esporte do grupo na Austrália, Aaron Coutts, deu uma palestra no Congresso Olímpico Brasileiro. “Coutts apresentou estudos que reforçam a importância da alimentação, do treinamento e do descanso para que atletas alcancem seus melhores resultados”, explica.
Os especialistas afirmam que a Olimpíada de Tóquio abre oportunidades, mesmo para marcas que não a patrocinem localmente. Há diversos modos de se conectar ao evento, sem violar as rígidas regras do COI ou parecer inconveniente. Neste ponto, a forte presença de imigrantes e descendentes de japoneses no Brasil é um grande trunfo. “Há uma conexão muito grande entre os dois países, devido à imigração, às empresas japonesas que atuam aqui e pela força de sua cultura”, diz Gurgel, do Mackenzie. “Há toda uma série de vínculos que podem ser estabelecidos, mesmo que não seja uma marca global”, completa. Afinal, como prega o próprio espírito olímpico, tão importante quanto vencer, é competir. O que, para as marcas, significa aparecer e dar o seu recado aos consumidores, mesmo que não estejam entre os gigantes mundiais de consumo.