A História se repete?
O difícil período que institutos de pesquisa enfrentaram nos anos 1990 pode servir como retrovisor às agências em sua atual concorrência com consultorias
Em um mundo no qual mobilidade, redes sociais e capacidade de analisar grandes volumes de dados em tempo quase-real atraem parcelas crescentes do investimento em comunicação, as consultorias de gestão são uma ameaça para as agências de publicidade?
Volta e meia a questão aparece aqui mesmo, como na edição 1717 e nesta entrevista de Márcio Santoro. Obviamente, ninguém tem uma bola de cristal para prever o que vai acontecer (exceto os consultores), mas a história de como os institutos de pesquisa perderam espaço para as consultorias ao longo da última década é um bom ponto de partida.
Em meados dos anos 1990, a internacionalização das empresas criou problemas mais complexos para as organizações e aprofundou a necessidade de estratégias globais. Ao mesmo tempo, os avanços tecnológicos possibilitaram um maior grau de controle e uniformidade sobre uma série de processos, entre os quais os de amostragem, aplicação de questionários e análises comparativas.
Ao invés de focarem em novos tipos de problemas decorrentes da globalização e do avanço tecnológico, as empresas de pesquisa passaram a fazer uma “corrida armamentista”, centrada na questão da qualidade das amostras e redução de custos via pessoal/automação. Esta combinação permitiu as consultorias “desintermediarem” os institutos de pesquisa, que passaram a ser vistos como meros “fornecedores de respondentes”, perdendo sua função de interlocução entre os desejos e opiniões dos consumidores e a direção das empresas.
O resultado foi a perda de importância relativa, traduzida no menor crescimento do faturamento (segundo o Censo Econômico dos EUA, entre 1999 e 2008 a receita dos institutos cresceu 25%, enquanto a das consultorias avançou 92,4%). As empresas de pesquisa que continuaram focando apenas no controle de qualidade dos seus processos, sem capacidade de contextualizar o comportamento do consumidor diante de um cenário de negócios mais complexo, fecharam as portas ou foram compradas. Somente em 2005, foram 585 aquisições no setor.
O negócio passou a ser dominado por holdings, diante da dificuldade de entregar um crescimento orgânico na casa de 10% – 12% como o exigido pelos analistas de bancos e corretoras. E a lógica da holding é entregar resultados para o acionista, ainda que as custas dos clientes (não vou nem falar sobre salários e condições de trabalho).
A primeira similaridade entre a situação das agências hoje e a dos institutos na década passada é que os problemas dos clientes estão se tornando mais complexos, mas boa parte das organizações continua focando naquilo que já faziam, e não em soluções que façam sentido diante do novo contexto dos negócios (menor taxa estrutural de crescimento econômico, transformações demográficas, digitalização de processos produtivos e novas fronteiras da competição, que não precisa mais vir necessariamente dos concorrentes tradicionais).
Outro ponto importante é que o setor também possui apenas uma atividade que gera economia de escala: a compra de mídia (assim como a coleta de dados é a única área de economia de escala para os institutos de pesquisa).
A resposta das agências tem sido a mesma dos institutos de pesquisa: redução de custos com ênfase na tecnologia. O resultado também tem sido o mesmo: uma pesquisa na base de dados DealWatch, da Euromoney, indica 409 fusões, aquisições e compra de participação no setor de publicidade entre setembro de 2015 e 2016 (26 delas no Brasil). Foram 267 em 2014 e 215 em 2013, ou seja, o processo está acelerando.
Se a História é boa conselheira, a aposta das agências é focar naquilo que sabem fazer melhor: contar boas histórias sobre os produtos e as marcas dos clientes dentro do contexto do consumidor. Vai ser muito difícil conseguir vantagem competitiva em termos de custos operacionais (e de compra de mídia) diante das grandes consultorias globais.