A Mandíbula de Caim não me deixa dormir em paz

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Opinião

A Mandíbula de Caim não me deixa dormir em paz

Começando pela ideia de fugir da realidade, histórias imersivas permitem que as pessoas escapem temporariamente de suas vidas cotidianas e entrem em um mundo diferente


2 de outubro de 2023 - 6h00

Faz um mês que inventei de me desafiar a resolver o mistério de A Mandíbula de Caim. Faz um mês que eu leio e releio as mesmas 100 páginas tentando decifrar códigos e conexões entre versos e referências que eu preciso parar e pesquisar a fundo, porque não tenho no meu repertório. Convenci amigos a se juntarem e até grupo no WhatsApp (mais um) fizemos, para trocar descobertas.

Voltando dois passos, A Mandíbula de Caim é um livro quebra-cabeças criado pelo autor inglês Edward Powys Mathers, sob o pseudônimo de Torquemada, e publicado pela primeira vez em 1934. O livro tem 100 páginas sequenciadas de forma aleatória, cada uma contendo um fragmento diferente de uma história. O quebra-cabeça é notoriamente difícil e a sequência correta de páginas forma uma história de mistério e assassinato. O objetivo é reorganizar essas páginas na ordem correta para formar uma narrativa coerente, e desvendar os seis assassinatos narrados, e seus respectivos assassinos. Resolvê-lo requer leitura cuidadosa, dedução e muita paciência. Devido à sua complexidade, A Mandíbula de Caim ganhou a reputação de ser um dos quebra-cabeças literários mais desafiadores já criados. É considerado um item de colecionador e um desafio intelectual único para quem gosta de resolver quebra-cabeças complexos. Quando (ou se) você chegar na sequência que acredita ser a correta, basta enviar para a editora, via correio (eu amei essa parte), uma carta contendo a sequência, os seis nomes de quem matou, e os seis nomes de quem morreu. Se a resposta estiver correta, parabéns, você foi uma das poucas pessoas no mundo que acertou.

Sim, é um desafio global que faz o Reddit ir à loucura, por lá as pessoas também não estão dormindo. E vale dizer que é cheio de spoilers, porém, na verdade pode ser apenas uma grande quantidade de gente com palpite errado. Às vezes mais atrapalha do que ajuda, porém, serve para saber que você não é a única pessoa perdida em meio a tudo aquilo. O barato mesmo é a imersão na sua própria experiência como detetive de uma trama que depende totalmente de você para se revelar.

No papo aberto dessa edição, imersão é a palavra-chave. Narrativas imersivas têm um poder enorme e ainda com muito espaço para serem exploradas aqui do nosso lado da mesa. A sequência de estímulos e cliques que me levou a esse livro começou com o resgate de uma reunião que tive há uns dois anos sobre seres virtuais e o futuro do storytelling combinado com emotional data. Na época, estávamos explorando ideias com personagens responsivos e aprendendo como evoluir essas interações em ambientes de realidade virtual. De uma forma simplificada, significa que os personagens interagem com você, guardam essa experiência para futuras interações e são capazes de ter respostas emocionais aos nossos estímulos, memória emocional. O mundo dos games está muito mais próximo desse cenário, o desafio era como aproximar isso do universo de uma marca, ainda mais por ser um formato onde a natureza centrada em si e interruptiva da propaganda e das marcas não encontra muito espaço.

Esse tipo de ideia envolve um processo complexo e que ainda não é escalável. E o que geralmente acontece quando você apresenta uma ideia que não é simples de executar? A maior parte das reações te apresentam barreiras ao invés de possíveis soluções. Antes, esse tipo de resposta me tirava o bom humor, mas eu já fiz muitos testes Hogan para saber que a maioria das pessoas tem mesmo esse tipo de personalidade, e mais produtivo do que perder o bom humor é trazer o time de volta ao começo e encontrar formas de quebrar o desafio em fases, deixá-lo mais fácil de ser compreendido.

Voltar ao começo nos fez relembrar do porquê acreditamos no poder de narrativas imersivas. Desde antes de 1934, as pessoas adoram formas envolventes de contar histórias, por vários motivos. Começando pela ideia de fugir da realidade, histórias imersivas permitem que as pessoas escapem temporariamente de suas vidas cotidianas e entrem em um mundo diferente. Esse escapismo pode ser uma forma de relaxamento e alívio do estresse. Cria engajamento emocional, uma narrativa envolvente geralmente evoca emoções fortes e permite que os espectadores tenham empatia pelos personagens, uma conexão emocional que pode ser profundamente satisfatória. É uma grande fonte de estímulo intelectual, muitas histórias imersivas desafiam a mente com enredos complexos, quebra-cabeças e dilemas morais.

Esse tipo de estímulo pode ser altamente envolvente e gratificante. Quer mais? Geram conexão social, podem criar um senso de comunidade entre fãs que compartilham o amor pela mesma narrativa. Isso pode levar a discussões, teorias e um sentimento de pertencimento. Mais? Nos dão um sentido de aventura, liberam nossa criatividade e criam até um momento de catarse, permitindo que as pessoas confrontem e processem suas próprias emoções, medos e desejos através das lentes da ficção. É extremamente poderoso.

Se ainda é complexo criarmos um ser virtual com memória, construindo uma relação com a gente, talvez seja mais fácil começar com um livro quebra-cabeças e o incrível poder que ele tem de nos envolver. A sofisticação da tecnologia pode aumentar com o tempo, com a confiança no resultado, mantendo o coração da ideia intacto. Algumas marcas vão demorar mais mesmo, outras são a Lu da Magalu.

Enquanto isso, cá estou eu, com Caim e sua mandíbula em uma aventura divertidíssima e desafiadora, que me ajuda a canalizar essa vontade criativa imersiva. Se tiver alguém aí que também está tentando decifrar esse enigma, por favor, pode me dizer qual é a do Henry?

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