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A redescoberta de viver em São Paulo

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Opinião

A redescoberta de viver em São Paulo

Como as mídias digitais estão incentivando vivências que exploram o espaço urbano e a cultura plural na cidade


9 de junho de 2016 - 10h05

Dados da Fundação Seade dão conta de que, em 2015, o estado de São Paulo tinha aproximadamente 43 milhões de habitantes. Ao que nos parece, as taxas de crescimento têm diminuído em relação aos quinquênios anteriores (2000-2005 e 2005-2010), com possíveis taxas próximas do zero até 2040. Ou seja, parece que São Paulo está chegando perto de seu número máximo de habitantes.

Esse desaceleramento é motivado por uma série de fatores, sendo que alguns deles poderiam ser: a) outras regiões do Brasil estão mais atrativas economicamente; b) oferecem mais qualidade de vida; c) migração de grandes empresas para outros estados, entre outros.

Outro dado significativo, ainda da Fundação Seade, é que a região metropolitana de São Paulo (com a maior concentração populacional do estado e agregando 39 cidades), também está em ritmo desacelerado de crescimento, desde o último quinquênio (2005-2010), sendo que atualmente a taxa é de 0,78%, abaixo dos 0,87% do Estado como um todo.

(Crédito: Tim Tadder/Corbis)

(Crédito: Tim Tadder/Corbis)

Para além das informações demográficas, alguns dados comportamentais interessantes têm demonstrado que as gerações Y (1981-1995) e Z (após 1995) não estão mais focadas em automóveis, talvez, em virtude da crescente cultura de troca, compartilhamento e aluguel (há diversas plataformas, como a Airbnb e Uber que atuam a partir dessa mudança comportamental), impulsionada pelas mídias digitais. Quer dizer, uma mudança na forma de se locomover na cidade significa uma mudança na forma de ocupar a cidade.

Em São Paulo – maior centro comercial da América Latina – temos percebido que essas mudanças estão ecoando por diversas dimensões, muito em virtude da criação de algumas políticas públicas da atual prefeitura (liderada pelo Prefeito Fernando Haddad, do PT).

Com todas as ressalvas possíveis, pois há suspeitas de superfaturamentos e implementações em locais inapropriados, ainda assim, a construção das ciclofaixas e de algumas ciclovias na cidade fomentaram grandes discussões sobre como espaços públicos deveriam ser realmente usados e apropriados pelos cidadãos.

Marcas como Bradesco e Itaú têm apostado na mobilidade urbana, como uma possível causa de interesse para seus consumidores. Patrocinando, inclusive, aplicativos como o “Ciclo Sampa” (Bradesco) ou o “Bike Sampa” (Itaú), que oferecem as principais rotas das ciclovias, além de informações sobre onde há bicicletários disponíveis com bicicletas para serem alugadas.

Ainda sobre desdobramentos políticos, as ocupações das escolas públicas pelos alunos secundaristas no segundo semestre de 2015 e, mais recentemente, pelos de cursos técnicos profissionalizantes, são uma reação às mudanças anunciadas, de maneira realmente arbitrária, pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), além da consternação com as condições infraestruturais das escolas (neste caso, com as merendas).

É sintomático que estejamos presenciando o renascimento de uma noção de cidadania, que promove não apenas a discussão política, mas também a retomada das instituições públicas, como pontos de referência e histórico das comunidades/bairros. Muitas escolas, especialmente em 2015, foram ocupadas porque os estudantes afirmavam que seus irmãos tinham estudado ali, que seus pais tinham estudado ali, que seus professores moravam nas cercanias e faziam parte da localidade.

As ocupações tinham um apelo muito mais enraizado na questão do pertencimento àquela subcultura, que necessariamente uma discussão política partidária.

Uma mistura interessante nessa situação foi o uso das plataformas de financiamento coletivo, como a Catarse, para juntar dinheiro e pagar as multas decorrentes das ocupações vistas como ilegais, pelo poder judiciário.

Outro exemplo interessante sobre o fomento a uma visão e participação local do cidadão foi o lançamento da campanha “Movimento Compre do Pequeno”, em agosto de 2015, pelo Serviço Brasileiro de apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), com o objetivo de incentivar o comércio local, já que 27% do PIB e 52% dos empregos gerados no Brasil surgem a partir de pequenos empreendedores. O hotsite da campanha oferece uma série de informações com o objetivo de conscientizar o cidadão da importância de valorizar o comércio local. Entre os argumentos significativos estão: 1) é perto da sua casa; 2) o comércio é responsável por 52% dos empregos formais; 3) o dinheiro fica no seu bairro; 4) o pequeno comércio desenvolve a comunidade e 5) comprar do pequeno negócio é um ato transformador.

Muito provavelmente esse movimento de retomada do comércio local se deve ao expressivo avanço de shopping centers que, segundo dados da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), faturaram R$ 151,5 bilhões (2015) e o índice de crescimento de 2015 até abril de 2016 foi de 6,5%. Surpreendente quando contrapomos ao fato de que faz dois anos que o Brasil está em recessão.

Esse movimento de crescimento impacta negativamente nos negócios locais, que por sua vez são responsáveis por grande parte dos empregos gerados no país. Portanto, é compreensível que haja uma onda de retomada ao comércio local.

E, por falar em vivências locais, não podemos nos esquivar de comentar sobre os diversos Coletivos que têm surgido na cidade de SP, com suas páginas nas mais diferentes mídias sociais (Instagram, Facebook etc). Por exemplo, o Catraca Livre tem mais de 7 milhões de curtidas no Facebook e é uma página, bem como uma atividade jornalística, destinada a divulgar e fomentar os eventos gratuitos e inspiradores na cidade de SP.

No Instagram o perfil @splovers tem mais de 73,2 mil seguidores que são apaixonados pela cidade de SP, além disso, coletivos como Arrua e Marginaliaria (com vários seguidores no Facebook) incentivam a ocupação dos espaços urbanos, seja por novas formas de usá-lo, ou mesmo pela inclusão de atividades artísticas na periferia.

O Parque Minhocão (que se dá no Elevado Costa e Silva, uma via que liga a Zona Central à Zona Norte de SP) é, também, uma outra proposta de transformação social de um espaço de mobilidade urbana – essencialmente, dominado por carros – em uma via de lazer nos finais de semana, que une diferentes classes sociais (os bairros que circundam a via – Higienópolis, Perdizes, Centro, Vila Buarque, Santa Cecília, Campos Elíseos –têm moradores com poder aquisitivo variado).

Para além do lazer, esse espaço tem absorvido manifestações culturais – como teatros de marionetes realizados por vizinhos do parque, que moram nos prédios em frente. Assistir a um desses espetáculos é quase como estar na beirada da janela do apartamento do artista. Outra manifestação comum de encontrar no parque é a de pequenos estandes onde são dispostas roupas para serem vendidas, ou ainda pequenas feiras de foodtruck.

A peculiaridade dessas roupas é que ou elas são manufaturadas por jovens estilistas, que encontram nesse espaço uma possibilidade de exposição e venda, ou são roupas usadas e levadas por pessoas que procuram apenas sobreviver nesse mar de concreto, que talvez esteja se humanizando um pouco com essas mudanças sócio-culturais.

Essas diferentes formas de organização, que têm em comum a apropriação dos espaços públicos como espaços cidadãos, não poderiam acontecer se as mídias digitais, como fomentadoras de encontros virtuais que se expandem para os locais físicos, não estivessem tão disseminadas como tecnologias da própria corporalidade

Sob a gestão de Haddad várias vias expressivas de SP foram transformadas em ruas de lazer aos domingos, como as avenidas Paulista e Sumaré. Aliás, a Paulista é sempre palco espontâneo de manifestações políticas, como a “Marcha das Vadias”.

Nesse mesmo campo da retomada dos espaços urbanos pela ocupação dos cidadãos, é possível notar como o centro de SP, em especial o Largo do Arouche, foi sendo apropriado como um local de confraternização e namoro do público LGBT. Historicamente, esse local sempre concentrou uma cena LGBT bastante expressiva, mas de alguns anos para cá essa atividade deixou o underground e assumiu ares mais sociáveis à luz do dia no Largo do Arouche, próximo a famosa feira de artesanato da praça da República, que acontece religiosamente aos domingos.

Essa feira, também, tem se configurado como local de encontros de diferentes imigrantes que estão chegando ou já estão instalados em SP, como peruanos, bolivianos, haitianos e coreanos.

Continuando pelo centro da cidade, a praça Rossevelt é um ponto de encontro de skatistas, patinadores e outros praticantes de atividades físicas urbanas. E se tornou uma referência, principalmente, após sua revitalização – já que estava bem degradada.

Acreditamos que essas diferentes formas de organização, que têm em comum a apropriação dos espaços públicos como espaços cidadãos, não poderiam acontecer se as mídias digitais, como fomentadoras de encontros virtuais que se expandem para os locais físicos, não estivessem tão disseminadas como tecnologias da própria corporalidade.

Essas gerações – em especial a Y e Z, que estão avançando pelos espaços públicos e, em alguns casos, pelas instituições públicas – são extremamente conectadas, usuárias de mais de duas telas e não fazem uma distinção formal e conservadora em ter o virtual e o real, pois tais camadas se complementam. Novamente, essas gerações estão vencendo o medo de estar na cidade de maneira desprotegida, justamente em uma cidade com um dos maiores índices de criminalidade do mundo, e se fazendo presentes por meio de uma resistência cidadã e através das articulações digitais.

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