A televisão parou de provocar
Ao se fixar em apenas entregar respostas, o meio se direciona ao caminho da irrelevância
A televisão já foi um território de perguntas, dilemas e descobertas compartilhadas. Aos poucos, tornou-se um espaço que explica, resume e conclui pelo espectador — como se não confiasse mais em sua capacidade de refletir e ressignificar.
Em vez de emancipar o pensamento, passou a orientar a interpretação.
Em vez de provocar reflexão, passou a apresentar conclusões prontas.
Ainda há exceções, claro. Mas o modelo predominante revela uma lógica repetida: simplificar a complexidade em nome da clareza. E, nesse processo, afasta-se da inteligência do público.
Essa tendência se expressa nos três pilares clássicos da linguagem televisiva: o jornalismo, o entretenimento e a dramaturgia.
O jornalismo já não desperta reflexão — apenas conduz a narrativa
O jornalismo televisivo deveria apresentar fatos e perspectivas para que o espectador construa sua própria leitura. Mas, ao adicionar emoção à informação, entrega um enredo pronto. O espectador não é convidado a pensar, mas a reagir.
O jornalismo que emancipa oferece contexto e contraponto. O que explica em excesso conduz por um único caminho, fazendo com que o público se desengaje, ou se refugie em bolhas que confirmam o que já pensa. Quando o jornalismo vira roteiro, abandona sua função formadora.
O entretenimento deixou de surpreender — e se refugiou no conforto
Programas de auditório, entrevistas e variedades têm potencial para promover encontros simbólicos.
Mas muitos deixaram de buscar o inesperado e optaram pela repetição previsível.
O entretenimento pode ser leve, mas não pode ser vazio. Ele deve provocar, deslocar, fazer o espectador sentir-se parte de algo vivo. E, para isso, precisa romper com a lógica da performance e resgatar o risco da escuta, do improviso, do encontro real.
Formatos engessados, roteiros rígidos e “quadros da semana”, tomaram o lugar da fala autêntica. E quando tudo se repete, o público se distancia — porque nada mais o surpreende.
A dramaturgia deixou de propor dilemas — e passou a entregar exemplos
A ficção já foi o espaço mais potente da televisão — onde os conflitos humanos eram vividos em sua ambiguidade. Hoje, com frequência, se limita a exemplificar condutas.
Os personagens nascem com função moral. As tramas, mesmo com algumas reviravoltas, caminham para desfechos previsíveis. O roteiro não inquieta — apenas conduz.
A televisão precisa apresentar personagens densos, contraditórios, capazes de desestabilizar certezas.
Mas, em vez disso, nos diz de que lado deveríamos estar — e ponto. Simples. Pequeno. Desinteressante.
Sem conflito verdadeiro, a história deixa de dialogar com a vida.
Sem ambiguidade, perde sua força simbólica.
E quando isso acontece, a ficção deixa de provocar. A boa ficção não dita a moral, ela expõe a condição humana. E só assim provoca transformação.
Conclusão: o fim do questionamento como fim da relevância
A televisão que explica demais não apenas subestima — ela silencia o espectador.
E um espectador silenciado deixa de participar, de se envolver, de retornar.
Sem dúvida, não há escuta.
Sem escuta, não há vínculo.
Sem vínculo, não há relevância.
E relevância não se reconquista com fórmulas.
Reconquista-se com a coragem de não entregar tudo pronto — confiando na inteligência do público.
A televisão ainda pode ser um território de emancipação. Mas, para isso, precisa provocar mais — e controlar menos. Precisa reconquistar o espaço da pergunta.
No tempo da velocidade e da simplificação, quem devolver à audiência o direito de pensar é quem terá, de novo, sua atenção.