Opinião

Sobre falsas percepções (ou cinismo) em relação ao marketing

Para apagar a ideia de que marketing é um meio de maquiar ideias fracas, precisamos invadir o meio acadêmico

Igor Puga

Líder de marketing e growth do PicPay 28 de julho de 2025 - 14h00

Na última conferência da qual participei em São Paulo, vi minha apresentação ser recebida com olhares curiosos e até céticos: para aquele público, o marketing parecia menos ciência do que um artifício financeiro em que o dinheiro suplanta o talento.

A simples menção de campanhas e divulgações foi interpretada como um “pedágio” para ideias frágeis — como se o marketing existisse apenas para maquiar projetos mal fundamentados, em vez de ampliar escala, margem e inteligência estratégica. É inquietante perceber que, em vez de somar valor, nosso discurso soe, para muitos formadores de opinião, como um remédio de última instância contra a mediocridade empresarial.

Essa percepção me remeteu ao quarto capítulo de O Primeiro Leitor, de Luiz Schwarcz, fundador e editor da Companhia das Letras, livro no qual ele relata as críticas iniciais aos lançamentos da editora: se um livro precisa de marketing, é sinal de que o editor falhou em seu ofício. Não está gravado com essas palavras, mas o recado dado por ele é exatamente esse. Para a elite literária, a divulgação não enriqueceria a obra, mas denunciaria sua suposta fragilidade editorial.

Essa associação histórica reforça o desafio que enfrentamos: não se trata apenas de fundamentar nosso discurso, mas de reverter a imagem de que o marketing é uma opção de resgate para projetos inferiores, provando que uma estratégia bem construída valoriza e legitima, em vez de compensar, o mérito intrínseco das ideias.

Seria cômico e não trágico se houvesse algum atenuante de ignorância: quem sabe esse tipo de pensamento venha da tia do zap, ou do bar da esquina. Mas avaliemos: estamos preocupados com a reputação das nossas profissões pelo escândalo das fraudes em Cannes ou pelo que pensam os supostos Homo sapiens mais eruditos do País sobre nosso ramo?

Percebam a ironia: a atividade publicitária per se é bastante semelhante a de um editor: é preciso curadoria contínua, repertório para julgar e um faro decisório para eleger o que será publicado. Pior: em livros, filmes, peças ou exposições você tem muito mais tempo de capturar a atenção e o engajamento das pessoas – avalie fazer isso em janelas de 30 segundos ou menos para todo o arco narrativo. Pois é.

Onde estavam esses formadores de opinião quando, por décadas, quem ditava o padrão da criatividade nacional eram colunistas de renome, desenhistas visionários, cartunistas icônicos, designers incompreendidos e, inclusive, professores que lecionavam em universidades e ajudaram a consagrar a publicidade brasileira ainda que no papel de “ghostwriters”?

Quando o mercado da cultura, da arte, da literatura e a própria academia ofereciam palcos charmosos o bastante para suas ambições egóicas tudo bem, mas quando faltava no holerite o necessário para seus anseios materialistas – dá-lhe prestar serviço para

agências e campanhas publicitárias. Aliás, basta anunciar uma oportunidade de patrocínio para que, num piscar de olhos, Flip, Feira do Pacaembu, Bienal do Livro e tantas outras exposições transformem-se em porta-vozes de ativações de marca que, sem ele “O MARKETING”, nem mesmo chegariam a acontecer.

Com que direito essa mesma elite, ao trocar seu prestígio cultural por contratos publicitários, ergue agora o dedo em riste para criticar gratuitamente o setor que a acolheu de braços abertos e fez de muitos deles coadjuvantes essenciais no bastidor da venda de cultura no Brasil? Essa incoerência covarde alcança seu ápice quando lembramos da lógica das leis de incentivo: instituições culturais clamam por apoio financeiro de patrocinadores, mas se voltam contra o marketing como se fossem traídas pela própria mão que as sustenta.

Ora, se a adesão orgânica do público é prova de pureza, por que recorrer aos incentivos para viabilizar projetos? Temos de cair na armadilha de sermos os “trouxas” dessa relação — financiadores de cultura que depois são alvos de críticas por ajudar justamente a viabilizá-la? Claro que não.

Se queremos apagar o estigma de que marketing é um artifício barato para maquiar ideias fracas, precisamos invadir o território acadêmico e intelectual de peito aberto. Organizar mesas-redondas provocativas em faculdades de comunicação e humanidades, em que professores e publicitários joguem seus métodos na mesa, confrontando pesquisas de etnografia e regressões estatísticas com a “teoria pura” que tanto nos desdenha.

Ao mesmo tempo, derrubemos o muro vaidoso entre “bastidor” e “consumo”: convidando o cidadão comum a opinar e votar em projetos reais que resolvam problemas genuínos. Em vez de pregar no vazio, mostre que marketing bem fundamentado é agente de transformação social — e não apenas um cheque em branco para ideias medíocres.

E, antes que a elite de humanas revire os olhos, aprendam duas lições básicas: primeiro, publicitários realmente precisam estudar mais arte, literatura e teoria social — Clube de Leitura e Intercâmbio Cultural não são luxos, mas ferramentas de paridade intelectual. Segundo, quem verdadeiramente salvou o marketing da irrelevância foram os engenheiros e tecnólogos — eles viram na análise de dados e na automação a chance de transformar intuição em ciência, enquanto muitos de vocês dormiam em pilhas de ensaios.

Que sua crítica gratuita se choque, então, com nossa ação: laboratórios de inovação, hackathons de dados e plataformas colaborativas que provam, na prática, que marketing não é pedágio, mas potência.

Não conheço pessoalmente o Luiz Schwarcz, mas ao chegar àquela passagem, quase uma anedota na página 55 de O Primeiro Leitor, senti um estalo de indignação: como pode alguém tão relevante relatar com tanta leveza uma crítica que, na prática, foi um tapa na cara de todos nós? Foi esse testemunho — tão límpido quanto revoltante — que acendeu a faísca deste desabafo. Se o próprio Schwarcz, ao olhar para trás, viu naquela resistência intelectual uma oportunidade de aprendizado, por que não convocá-lo, agora, a liderar um diálogo maduro e sereno entre academia, mercado e cultura?

É hora de virar essa página: unamos rigor teórico, criatividade estratégica e responsabilidade social para que os editores que ainda estão por nascer não precisem enfrentar o mesmo ridículo descaso. Quem topa o desafio?