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A vacina é só o começo

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Opinião

A vacina é só o começo

olhando para o médio prazo, não espere um “crescimento em V” no gasto publicitário durante algum tempo


28 de abril de 2021 - 11h34

(Crédito: Sorbetto/ iStock)

Há pouco mais de um ano, neste mesmo espaço, apresentei alguns cenários possíveis para a evolução da situação político-econômica diante da pandemia. Hoje não estamos no pior dos mundos, que envolveria simultaneamente uma reação governamental desordenada E a população em pânico. Ficamos somente com o desgoverno, o que, convenhamos, já não é pouco em termos do impacto econômico. Em artigo subsequente, especulei com a possibilidade de uma recuperação em “K”, na qual segmentos de renda mais alta e empresas maiores e mais capitalizadas provavelmente sairiam mais fortes da crise.

Mas isso é passado: o que importa no curto prazo agora é pensar como a vacinação em massa vai impactar o consumo nos próximos meses (sim, estou supondo que não teremos uma variante “assassina” do vírus e que em algum momento até o final do semestre o ritmo da vacinação vai ser melhor do que o que vimos até agora). Para não ficar na especulação pura, verifiquei os dados sobre vacinação e gastos dos consumidores no www.tracktherecovery.org, site fruto de uma parceira entre Harvard e a Fundação Gates.

É “óbvio ululante” que a situação entre Brasil e EUA é muito distinta, até por conta da postura dos atuais governantes e pelo volume de estímulos para o consumo oferecidos pelos dois governos, mas fazendo uma aproximação tosca, podemos imaginar que, ao menos entre as classes A/B no Brasil (que em nosso país respondem pela maioria do consumo discricionário) e a média norte-americana seja possível encontrar algumas similaridades.

A vacinação nos EUA começou a ganhar força em meados de fevereiro e atualmente já atingiu mais de 132 milhões de pessoas, cerca de 40% da população total. Enquanto no início de fevereiro o consumo em geral tinha crescido 0,4% em relação a janeiro de 2020, na semana de 11 abril este crescimento era de 10% sobre o mesmo período. Mas o interessante é quando analisamos os dados por categoria: enquanto o varejo em geral apresentava um crescimento de 25% (e alimentos, 28%), o gasto com restaurantes permanecia 5% abaixo, e com lazer em geral 38%. E o impacto foi desproporcionalmente sentido entre os pequenos negócios: neste caso, em todas as categorias, a receita ainda é significativamente menor que no ano passado (lembram do “K”?).

Fiz um segundo recorte, analisando apenas três estados com um número expressivo de habitantes e maior percentual de população vacinada (Califórnia, Nova York e Nova Jersey, todos com cerca de 42% de habitantes já vacinados) e comparando com os estados populosos com menor percentual de vacinados (Texas, Mississipi e Georgia, com cerca de 30%). De maneira geral, a tendência nacional se mantém: uma forte recuperação nos gastos com o varejo em geral e do comércio de alimentos, mas muita dificuldade para os setores ligados ao lazer.

Embora o período de tempo de análise seja muito curto e recente, no caso dos EUA parece que o “limiar” do impacto da vacinação no gasto do consumidor em geral está ao redor de 30% – 40% da população vacinada. Meu palpite é que esse número será mais alto no Brasil, pois além de uma renda mais baixa, não contamos com os estímulos financeiros gerados pelo governo federal e enfrentamos um cenário de maior instabilidade política, o que afeta também a confiança do consumidor.

Pensando em prazos mais longos, diversos estudos na área de economia da saúde mostram a relação entre vacinação e crescimento econômico (não falo somente da Covid, mas das campanhas de vacinação contra pólio, sarampo etc). Foi com base neles que o FMI divulgou recentemente o que chamou de uma “recuperação divergente” na economia global. A divergência existe não apenas entre os países, relacionada com a velocidade da vacinação, mas também entre diversos setores, objeto de um capítulo inteiro do relatório (páginas 43 a 60, caso você tenha interesse). Neste caso, as maiores diferenças estão se o setor do seu cliente (pensando nos anunciantes) é de alto contato em ambientes fechados (restaurantes, lojas físicas, academias, aviões etc), de alto contato mas em ambientes abertos ou controlados (saúde, construção civil, atividades ao ar livre em geral) e, finalmente, setores de baixo contato em geral (serviços que não exigem aproximação física, entregas, etc).

Adicionalmente, o FMI destaca que embora no longo prazo os efeitos de uma crise de saúde sejam menores que de uma crise financeira, no médio prazo poderão existir “cicatrizes profundas” em setores que tiveram as cadeias de produção muito afetadas, como, por exemplo, o automotivo. O fechamento de fornecedores e a quebra de contratos de importação/exportação costumam dificultar a vida destas empresas por um período de tempo relativamente prolongado, o que parece ser particularmente o caso de países de renda média, como o Brasil.

Por todos estes fatores, olhando para o médio prazo, não espere um “crescimento em V” no gasto publicitário durante algum tempo. Obviamente, vai haver um crescimento depois do tombo de 19% no ano passado, mas não voltaremos para o patamar de 2019 (descontada a inflação) antes de 2023 (com o fator adicional de que a Copa do Mundo de 2022 começa no final de novembro e vai até quase o Natal, dificultando muito a alocação das verbas). Para quem acha importante sair da zona de conforto, posso assegurar que teremos tempos interessantes adiante, tanto quanto os que já ficaram para trás.

*Crédito da foto no topo: Oleg Magni/Pexels

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