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Opinião

A vida é risco

Nível de controle geralmente demandado pelas marcas impede que tenham acesso aos insights mais originais e valiosos


2 de dezembro de 2019 - 11h08

(Crédito: Ajijchan/ iStock)

“E ela se expressou de muitas maneiras diferentes, antes de perder o controle mais uma vez”

Ian Curtis

Para a maioria das pessoas, na maior parte do tempo, manter o controle sobre a situação é essencial para que a dinâmica entre corpo e mente siga operando em condições estáveis e confortáveis. É o que de certa forma nos mantém sãos e salvos — em casa, na rua, na firma.

Perder o controle, pelo contrário, é um gatilho para o desespero. Ah, a angústia que toma tanto o sujeito sem rumo na volta para casa após cometer um erro que provavelmente lhe custará o emprego quanto o coração partido repentinamente; que instaura o pânico na equipe de comunicação e marketing diante de uma crise de imagem nas redes sociais causada por uma campanha cujas brechas que passaram despercebidas se tornaram tão óbvias no pós-desastre e também no redator que vaga em busca do desfecho para o texto com o deadline estourado — o simples descrever dessas situações me aperta o peito, enquanto os ponteiros do relógio implacavelmente se deslocam para convergir no horário limite para o fechamento do jornal, na tarde da sexta-feira 29 de novembro e ainda escrevo essas linhas que já deveriam estar a caminho de serem impressas na gráfica.

Mas perder o controle tem seus aspectos positivos. Certos sentimentos só crescem quando saem de nossas mãos e passam a ser uma construção em duos, trios, quiçá de centenas, milhões de pessoas. No universo líquido dos relacionamentos, o nível de engajamento é proporcional ao risco.

Por mais assustador que seja quando envolve decisões profissionais, há beleza nisso — e aqui vale de novo a analogia com tudo o que nos move fora do escritório, nas grandes paixões desfrutadas, nas maiores ondas surfadas, seja qual for a sua onda. Quando a gente se joga, tem que estar aberto para o que der e vier. Pode dar tudo errado, obviamente — mas quando a mágica acontece, gera uma sensação daquelas pelas quais se valeu a pena viver.

A reportagem de capa da edição impressa de Meio & Mensagem desta semana retrata uma situação na qual o nível de controle demandado pelas marcas impede que tenham acesso a insights originais e valiosos.

Entrar no mundo do dark social (canais privados para conversas e troca de informações, como aplicativos e grupos fechados em redes sociais e plataformas de comunicação), disposto a deixar a marca à mercê de sua vulnerabilidade, para colher as mais sinceras visões sobre o ativo que espelha a relação da empresa com o público, exige dose de coragem tão robusta quanto a mensagem que pode ser gerada de forma colaborativa nesses ambientes, que congregam quase oito em cada dez conversas e compartilhamentos entre o público na web.

Não à toa, os profissionais entrevistados pelo jornalista Renato Rogenski, que assina a reportagem, apontaram de maneira unânime que as melhores estratégias envolvem compartilhar os rumos da comunicação da marca com criadores de conteúdo desses grupos — um caminho pelo qual se abre mão do controle absoluto, mas com “muito mais potencial de reverberação orgânica”, como aponta Rafael Caldeira, creative data leader da Soko.

A expressão “abrir mão do controle” nunca fez parte do playbook do marketing. Profissionais a serviço das marcas são vistos como “guardiões” desses ativos, e a simples possibilidade de não cumprir com essa missão tira o sono de muita gente. Nos tempos em que um produto atrativo e uma marca de credibilidade faziam a diferença, o custo-benefício de se arriscar era um preço a ser pago apenas pelos challengers mais ousados, marcas que precisavam fazer diferente para desafiar os líderes — para estes, bastava jogar seguro e manter o status quo.

O advento das redes sociais e o deslocamento do consumidor para o centro da comunicação, como curador, produtor e distribuidor de conteúdo subverteram essa ordem. Nos dias de hoje, cuidar de uma marca não significa necessariamente protegê-la de tudo o tempo inteiro, isolando-a em uma redoma tão segura quanto fria e desumana.

No mundo em constante transformação, temos, todos, de ser challengers — ao menos de nós mesmos.

*Crédito da foto no topo: Slavemotion/iStock

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