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Opinião

Acabou a jabuticaba

Chegada das agências de mídia ao topo do ranking das maiores do Brasil encerra ciclo de instalação das redes globais no País e desafia mercado a lutar para manter características que sustentam força da publicidade local


30 de abril de 2024 - 14h00

O ranking de maiores agências compradoras de mídia de 2023, divulgado pelo Cenp-Meios, na semana passada, é emblemático. Pela primeira vez na história da publicidade brasileira, uma agência especializada em mídia ocupa a primeira posição. A Mediabrands soma o investimento intermediado por duas empresas integrantes da sua rede, a Reprise e a MullenLowe, e, assim, lidera a lista das mais de 250 agências conectadas ao painel do Fórum da Autorregulação do Mercado Publicitário (Cenp). Mas a surpresa não para por aí. Ainda no top 5, há outra agência especializada em mídia: a EssenceMediacom, do grupo WPP, na quinta posição. Um olhar mais atento à lista das 50 maiores, mostra outras duas operações de mídia: a Daxx Omnimedia, uma empresa 100% nacional, na 42ª colocação; e a Performics, rede global de mídia do Publicis Groupe, na 45ª posição.

A chegada das agências especializadas ao topo do ranking das maiores compradoras de mídia do Brasil encerra o ciclo inicial de instalação dessas redes globais no País e abre um novo período em que o mercado nacional terá que mostrar sua força para manter outras características que sustentam a força da publicidade local, como as restrições de comercialização de espaços para intermediários fazerem a revenda e a preservação das estruturas clássicas das agências de publicidade, com divisão de poder entre atendimento, planejamento, criação e mídia.

O IPG Mediabrands, braço de mídia global do Interpublic Group, chegou timidamente ao Brasil, em 2017, com a abertura do escritório local da Reprise, naquele momento ainda estruturada como uma agência digital de search, social e analytics. Foi exatamente a evolução das mídias digitais e o domínio das plataformas globais na atração das verbas dos anunciantes destinadas à internet que abriram caminho para a instalação no País das redes especializadas. A transformação imposta pela predominância dos meios digitais deixou o cenário de mídia, já pulverizado, ainda mais complexo. Cobradas pelos seus clientes globais, ávidos por eficiência e performance, as holdings de agências de comunicação e serviços de marketing foram importando para o Brasil, em um primeiro momento, as ferramentas e tecnologias usadas internacionalmente, e, depois, trouxeram também as marcas de redes especializadas, aumentando a adoção de práticas externas no mercado local.

O movimento coincidiu com a perda de força dos grandes conglomerados de mídia 100% brasileiros, que, por décadas, patrocinaram o feito de manter o Brasil quase como uma ilha, operando com o modelo de agências full service, que abrigam criação e mídia sob o mesmo teto — incrivelmente, o formato dominante ainda hoje, apesar das circunstâncias adversas. A jabuticaba brasileira poupou o País do desmanche da mídia local, que cria e produz conteúdo nacional de qualidade invejável até mesmo para países mais abastados.

Liderado, em sua maior parte, por profissionais conectados com as práticas locais, essa primeira fase de instalação no Brasil das agências especializadas em mídia serviu para espantar fantasmas do passado, quando as portas do País permaneceram fechadas aos chamados birôs de mídia. Diante da impossibilidade de manter o mercado local afastado do ferramental que impulsiona o crescimento global das redes de mídia, resta à publicidade brasileira provar ao mundo que é mais saudável a sua tradição de manter sinergia entre criatividade e mídia. Na maior parte das holdings de agências, as novas estruturas de mídia centralizadas se apresentam como organismos capazes de absorver processos automatizados de negociação e compra, deixando que as estratégias de presença nos canais continuem tratadas na ponta full service, onde as lideranças de mídia seguem integradas ao processo de criação dos projetos de comunicação. O ganho de relevância no processo de atores como os dados primários e a inteligência artificial ditarão o futuro dessa queda de braços entre os defensores da cultura de mídia construída pelo Brasil e as forças que desejam que o País embarque rapidamente no comboio global de ferramentas e práticas mais uniformes.

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