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Opinião

Ansiedade, cancelamento e otras cositas más

Estamos constantemente com emoções contraditórias dentro da gente, apesar de aparentemente vivermos em um mundo binário, que nos puxa a escolher um lado


8 de julho de 2024 - 6h00

Às vezes, fica difícil ignorar os sinais do universo. E isso sou eu brincando como se o universo estivesse com intenção e tempo para me inspirar sobre o tema deste artigo. Desta vez veio de uma sequência não planejada de situações, no mesmo dia. Estou de férias em São Paulo, tirei uns dias para descansar a cabeça mesmo, sem ter que viajar, fazer mala, roteiro. Intensidade alta no profissional e pessoal, em volta de mim observo o que parece que virou um grande meme de “ninguém tá bem” e, uma coisa positiva que a maturidade me trouxe, é ter o radar ligado para criar uma pausa, antes que ela deixe de ser uma escolha. A gente acha que o nosso limite é uma das coisas mais elásticas existentes, até ele obedecer a física, e de tanto esticar, estoura. Por isso pause, sempre que parecer impossível.

Resolvi fazer algo que sempre me coloca na energia de um dia livre: cinema, sessão das três da tarde de uma terça-feira. Fui ver Divertidamente 2, no qual novas emoções são apresentadas quando a personagem principal entra na adolescência, essa fase tão intensa. Somos apresentados a uma emoção nova, laranjinha, bem agitada, chamada “Ansiedade”. E um parêntese: ninguém melhor que Tatá Werneck para dublar essa personagem. Pois bem, o filme mostra como a gente pensa, ou não pensa, quando a ansiedade nos domina e acaba regendo as nossas ações, e o quão difícil é sair do meio desse furacão quando estamos totalmente imersos nele. O filme, eu acredito, não é sobre nos trazer informações novas ou cientificas sobre as emoções, mas sobre nos estimular a visualizá-las e entendê-las de forma lúdica. Nos ajudar a processar o que acontece dentro da gente, e a beleza de entender que nenhuma experiência é realmente única. Aliás, essa é uma das minhas observações preferidas sobre o ser humano em sociedade.

Talvez a minha segunda observação preferida, que consegui realmente entender depois de alguns anos de terapia, é que dá para estar feliz e triste ao mesmo tempo. Nós estamos constantemente com emoções contraditórias dentro da gente, apesar de aparentemente vivermos em um mundo binário. Um mundo que nos puxa a escolher um lado, a definir o certo ou errado, o bom e o ruim. Saí do filme com uma certa tranquilidade de que o caos interno pertence a todos nós.

Do cinema segui para o lançamento de um livro. Até terminar este artigo já passei da metade de Ensaio sobre o cancelamento, do Pedro Tourinho. Ele reflete e analisa o quebra-cabeças social que criou o que hoje entendemos pelo conceito de cancelamento.

Apesar de ser algo contemporâneo, essa dinâmica social é bem antiga, anterior, inclusive, ao fato de a internet ser uma ideia tangível. Ostracismo, excomunhão, boicotes, conceitos conhecidos e praticados ao longo da história da nossa sociedade. Ele passeia pelas diferentes camadas do conceito e faz paralelos muito interessantes entre cancelamento e relações de poder. O cancelamento, nos dias de hoje, ofende os que estavam acostumados a ter uma posição inabalável: pessoas brancas, figuras públicas, e em sua maioria, homens héteros. Existe uma relação de poder sendo subvertida quando entendemos que antes a mídia de massa era uma ferramenta de controle da oligarquia, usada para controlar movimentos populares. Hoje, os movimentos de minorias sociais e políticas veem na internet e redes sociais uma plataforma que escala e potencializa suas necessidades e reivindicações. Tourinho traz perspectivas bem interessantes de como o cancelamento surge, em suas palavras, “como um ensaio de antídoto anti-establishment, com a possibilidade concreta de provocar mudanças nos mecanismos de exclusão social, política e econômica”.

Ampliou minha perspectiva, porque eu até então pensava predominantemente sob a ótica do medo, dessa ideia de que se eu falar ou fizer algo errado, as consequências serão drásticas. A grande maioria entende cancelamento como uma crise, porém é curioso ver que sua popularização já até fez com que virasse estratégia de visibilidade e ganho de seguidores, para algumas pessoas dispostas a criar um momento de polêmica, aproveitar a audiência momentânea e monetizar. Como tudo na vida, dependendo de como o conceito é aplicado, pode ter consequências diferentes. Tem quem sofra, e tem que aproveite. O contexto mais amplo e detalhado do que falei aqui está no livro, e se tiver despertado seu interesse em aprofundar, eu recomendo a leitura.

Para fechar o tema do dia, cheguei em casa, liguei a TV no YouTube para assistir na DiaTV, um programa chamado Lorelive, no qual a Lorelay Fox conversou com a Samira Close sobre polêmicas de internet e, adivinha? Sobre cancelamento. Se você não faz ideia do que eu estou falando, corre para o YouTube para entender o que é a DiaTV, algo obrigatório para quem trabalha na nossa indústria.

Em dado momento a troca é sobre o medo de falar besteira e ser cancelada, e como esse é um medo muito presente em cada passo e decisão sobre produção de conteúdo de uma

figura pública, alguém com uma audiência significativa. Achei interessante que Lorelay disse que o difícil de lidar com o cancelamento é o fato de você ter errado, ter que lidar com isso, com você mesmo. Mais uma nova perspectiva de olhar sobre esse mesmo assunto. E, como o humor é sempre um recurso ótimo para lidar com assuntos difíceis, ela emenda: “Quem não foi cancelado não teve nada de relevante publicado”.

O cancelamento é um grande gerador de ansiedade, seja você uma figura pública ou não, e a consequência é que estamos todos com mais receio, com medo de expor pensamentos e ideias. E algumas dessas ideias podem criar boas revoluções. O medo pode ser tanto uma ferramenta de controle quanto de mudança, e navegar esse mundo com ele requer um trabalho árduo de todos os outros Divertidamente, juntos. Não é novidade para ninguém que o grande assunto do momento é saúde mental, e que bom que estamos falando mais sobre isso. Vamos falar mais ainda. E se não estiver fácil falar sobre isso, eu te sugiro a pausa. Pause, sempre que parecer impossível.

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