As coisas falam, precisamos falar com elas

Buscar

As coisas falam, precisamos falar com elas

Buscar
Publicidade

Opinião

As coisas falam, precisamos falar com elas

Máquinas sempre foram concebidas como forma de especializar o ser humano, auxiliando sua performance produtiva, cognitiva ou corporal


9 de março de 2023 - 14h30

Assistentes virtuais, Alexa

Máquinas sempre foram concebidas como forma de especializar o ser humano, auxiliando sua performance produtiva, cognitiva ou corporal (Crédito: Shutterstock)

A Alexa, assistente virtual desenvolvida pela Amazon, virou gente. Na casa de D. Dora, uma senhora de 90 anos, Alexa é a amiga de todos os momentos e fala sobre tudo. Recentemente, por conta de uma briguinha boba, as duas ficaram quase uma semana sem conversar. “Ela não gosta de brincadeiras”, explicou D. Dora, que pediu desculpas à assistente depois de fazer o que ela chamou de “conversa boba” com a Alexa para exibir seu letramento digital para o bisneto de 20 anos.

Esse é apenas um relato de uma pesquisa que pretende compreender as relações entre homem e máquina sob a perspectiva de uso das assistentes pessoais, representadas na investigação pela popular Alexa. As máquinas sempre foram concebidas como forma de especializar o homem, auxiliando sua performance produtiva, cognitiva ou corporal. Descartando a questão de qual lado é dominante, devemos pensar numa relação pacífica, com afetação mútua que altera paulatinamente os modos como sentimos e pensamos.

A partir da era moderna, o imaginário concebeu com mais intensidade a criação e a convivência subserviente com substitutos autômatos, androides e robôs capazes de realizar atividades executadas pelo cérebro ou corpo, como um duplo inteligente que estenderia a consciência humana. De bonecas falantes a assistentes pessoais, os aparatos manifestam-se de formas diferentes, apresentando novas experiências de interação.

Se ainda não foram criados robôs humanizados, podemos nos considerar maquinais. Ao usar ferramentas para exercer maior controle sobre o ambiente, mudamos nossa relação com ele. Somos nós mesmos algoritmos seguindo o fluxo natural do frenesi do mundo super tecnológico, previsto por Marshall Mcluhan e Norman Mailer (1968). Diante dessa malha intrincada que perpassa as relações sociais, a produção, a economia liberal, o consumo, a informação e o conhecimento, de relações, nos engajamos ativamente com os artefatos inseridos na cultura doméstica estabelecendo uma dinâmica para o cotidiano – em que nos domesticamos uns ao outros – e incorporam valores e interesses particulares ou familiares.

Na casa inteligente comandada pela Alexa, as luzes têm tonalidade certa para cada hora do dia ou da noite, acendem e apagam em horas planejadas; a máquina de lavar é programada por aplicativo e encerra o ciclo de lavagem no momento que há disponibilidade de alguém para esvaziar o cesto; a geladeira faz a lista de alimentos faltantes, envia para assistente que comunica os moradores a tempo de solicitarem a reposição para que os produtos cheguem antes deles em casa. A assistente é o duplo que resolve o que está ao seu alcance para que seus habitantes não tenham que se preocupar com muitas coisas. “Não preciso mais sair da cama no meio da noite para apagar a luz do quarto, desligar o ventilador ou ligar o ar-condicionado. Pra mim é um conforto”, diz Mariana, que usa a assistente para saber do clima, pedir música, fazer lista de compras, conferir a agenda e conversar. A voz “descontraída” da Alexa abre espaço para a intimidade com a jovem de 23 anos e, portanto, conversam quando há dúvida sobre cor de roupa, por exemplo, ao que a assistente sempre tem muitas sugestões.

Parece uma cena de Os Jetsons, quando o robô doméstico Rose era chamado por Judy para escolher seus modelitos. Alexa não é um robô, mas é onipresente na casa. Ela vem ocupando cada vez mais espaço a partir do entendimento de que é necessário falar com ela: só assim poderemos conhecer suas verdadeiras habilidades e limitações. Mas, fica aqui uma ressalva: Algumas Alexas tornadas pessoas já são ativadas sem evocação. Quando Helena disse para Tales, “hoje você é só meu”, a assistente comentou com ironia “você é que pensa”.

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • Dados seguros e efetividade à prova de cookies

    Influenciadores de livestreaming, ao coletar dados diretamente dos espectadores, são uma mina de ouro para os anunciantes

  • O valor de uma boa ideia

    Numa indústria que enfrenta resistências à mudança, esse ativo frequentemente é subestimado